A mãe que narra futebol para o filho cego e ganhou o Prêmio Fifa
A história de Silvia Grecco, que leva o filho Nickollas ao estádio e narra o que ele não pode ver, ganhou repercussão e pode ser premiada pela Fifa.
Há sete anos, Silvia Grecco leva o filho Nickollas, de 12 anos, ao estádio do seu time de coração, o Palmeiras, pelo menos uma vez por mês. O fato do garoto não enxergar nunca o impediu de ser o companheiro da mãe nos jogos do querido “verdão”. Pelo contrário, o laço entre eles só aumentou. É pela voz dela que Nickollas acompanha os lances da partida e a emoção da torcida.
Durante um clássico contra o Corinthians em agosto de 2018, a cena de Silvia narrando o jogo para o filho apareceu na transmissão pela televisão e logo ganhou repercussão nas redes sociais. Em tempos de intolerância, cenas como essa dão aquele quentinho no coração, né?
A dupla ficou conhecida e Silvia foi ganhou o Prêmio Fifa The Best, na categoria de melhor torcedora, de 2019. Nós do MdeMulher fomos atrás da história dessa família bem especial.
Maternidade
Silvia conheceu o seu parceiro de futebol quando ele tinha 4 meses de vida, em 2007. Mãe biológica de Márjori, na época com 20 anos, tinha o desejo de adotar uma criança, e foi atrás de todos os processos burocráticos para isso. Depois de inscrita na Vara da Infância e Juventude, não demorou muito para ser chamada para ir ao hospital para conhecer e saber o histórico médico do garotinho, que teve a adoção rejeitada muitas vezes anteriormente.
Nickollas nasceu muito prematuro, aos cinco meses de gestação, pesando apenas meio quilo. Desenvolveu retinopatia da prematuridade (descolamento da retina) no maior grau, que resulta em cegueira total, mas isso não foi um empecilho para Silvia. “Era uma sexta-feira, quando eu fui ao hospital conhecê-lo. No momento que eu segurei ele no colo, já senti que a gente estava amarrando os nossos corações e ele seria o meu filho. Foi difícil esperar até segunda-feira para eu dizer para a juíza que eu iria adotá-lo”, relembra a mãe.
Desde então, ela conta que tem aprendido muito e criando técnicas cheias de amor para adaptar as coisas por conta da deficiência visual e encontrar o que deixa o menino, que tem o transtorno do espectro autista, mais feliz e confortável no dia a dia.
Ela conta, por exemplo, como fez para que o filho soubesse o que era dia e noite e parar de trocar os turnos: “Eu coloquei um colchão na minha varanda e falei ‘estamos dormindo com a lua e as estrelas em cima da gente, quando acordamos é o sol que vai estar por aqui’ e ele foi entendendo a noção de claro e escuro”.
Assim como a mãe, Nickollas sempre gostou de futebol. No início, tentaram colocar o fone de ouvido para ele acompanhar os lances pelo rádio, mas o garoto ficava incomodado e, muitas vezes, tirava o aparelho. Silvia também se sentia mal por perceber que o filho estava vibrando com o jogo, mas sem saber direito o que estava acontecendo. Sutilmente, ela começou a narrar o que estava rolando. Com o tempo foi aprimorando e o filho começou a pedir a voz da mãe durante as partidas.
Ela percebeu que o que mais emociona o Nickollas é o calor da torcida: ele vibra, canta e pula com a energia. Então, passou a fazer a descrição do ambiente: conta de qual lado está o goleiro, qual é a cor do uniforme, brinca com a cor do cabelo e da chuteira dos jogadores. “Entendo das jogadas de futebol, mas não sou nenhuma narradora profissional. Sou uma mãe que vai contando tudo que vai acontecendo, com a emoção de torcedora, que quando precisa xingar juiz, xinga”, explica.
Futebol e família
Para Silvia, o futebol sempre teve um valor sentimental muito grande. O pai era palmeirense e sempre ficava com o radinho na cabeceira da cama, escutando aos jogos, enquanto ela o fazia companhia. Na juventude, ia aos estádios com os amigos. Depois de adulta, passou um tempo sem ir ao campo por falta de companhia, até que encontrou o melhor parceiro. “É um prazer dobrado, de eu estar lá e, principalmente, estar com o Nickollas.
O Palmeiras sempre foi seu time de coração, mas ela conta que tentou ao máximo não influenciar o caçula, que sempre amou futebol, na escolha do time e fez um “acordo de neutralidade” com o pai dele que é corintiano e a irmã que torce para o rival São Paulo.
Porém, apareceu uma oportunidade: “Ele era pequeninho e o Neymar estava no auge. Sem ter um time, dizia que torcia para o Neymar. Então, levei ele para conhecer o jogador em um treino e perguntei para para qual time o craque torcia quando era criança e ele respondeu ‘Palmeiras’. Aí o Nickollas ficou entusiasmado para torcer para o mesmo time do ídolo”.
Silvia completa: “Mas pode ter certeza que independente de quem ele torcesse, eu estaria com ele no estádio, apoiando, porque o futebol é uma transformação na vida dele”.
Inclusão e visibilidade
A torcedora elogia a estrutura da Arena do Palmeiras, que já recebeu um selo de acessibilidade, na hora de recepcionar pessoas com deficiência.”Eles levam a gente até o nosso lugar, no intervalo perguntam se precisamos de alguma coisa, e quando acaba o jogo eles nos acompanham também”.
Entretanto, ela sabe que infelizmente nem todos os lugares são preparados assim e nem todas as mães têm a oportunidade de fazer esse passeio com filho; muitas vezes, elas não se sentem protegidas. “Os clubes deveriam ter esse olhar inclusivo e proporcionar isso, tanto na acessibilidade como em recursos como a audiodescrição, por exemplo, já que nem sempre vai ter uma mãe que vai querer narrar”, afirma Silvia.
Toda a repercussão e a indicação ao Prêmio Fifa acenderam uma luz importante sobre a luta pelos diretos dos deficientes, que, segundo Silvia, ninguém tinha percebido. “Agora com essa visibilidade, eu percebi que a gente era um pouco invisível”.
Muitas mães a procuram para trocar experiências e desabafar, criando uma rede de apoio bem bacana. “A mãe já por natureza uma pessoa que luta, por isso, não podemos ter medo. Lutar também é buscar essas oportunidades para os filhos. Sempre falo para elas: coragem e vamos à luta, juntas sempre”, completa.