Trace Brazuca leva excelência e protagonismo negro para a TV
De música a arquitetura, a programação busca abraçar a pluralidade de interesses de pessoas negras por meio de uma junção cultural entre África e Brasil
Dando uma volta pelas emissoras de televisão no Brasil, é possível encontrar no mínimo três canais com leilão de boi, mas, até junho deste ano, nenhum com uma programação voltada para a cultura negra. A desproporção é apontada pelo influenciador e apresentador AD Junior, head de marketing da Trace no Brasil. Em 25 de julho, o grupo de comunicação francês lançou o primeiro canal fechado de cultura afro-brasileira, a Trace Brazuca, disponível nas operadoras Claro e Vivo. “Quem grava, quem escreve, quem pode contar a própria história sem ser caracterizado, pela primeira vez, somos nós, negros”, diz Ad sobre a emissora, que conta com uma equipe majoritariamente preta atrás e às frentes das câmeras.
Enquanto construíam o sonho de colocar o canal no ar, surgiu primeiro a oportunidade de lançar o programa Trace Trends, um formato inédito, pensado para o público brasileiro. “Em novembro do ano passado, o TT chegou à Rede TV. Apesar do streaming estar em ascensão, muita gente ainda consome canais abertos no país. A atração também é carro chefe do Trace Brazuca”, aponta Kenya Sadae, que aos 26 anos é chefe de programação da emissora. “É superimportante como mulher negra ampliar as nossas vozes e contar essa história com excelência em primeira pessoa”, comenta.
Uma das propostas do canal é mostrar que a vivência, a produção intelectual e cultural negra são amplas e também trazem uma perspectiva positiva. “É uma oportunidade de apresentar novas narrativas. Não queremos falar só de racismo, mas também celebrar nossas conquistas”, explica Kenya. Segundo AD, a pluralidade de interesses de pessoas negras será contemplada na programação, que tem a música em seu DNA.
Por pertencer a um grupo francês, a programação da Trace Brazuca já veio estruturada, mas algumas adaptações foram necessárias para se adequar ao público brasileiro. “Por exemplo, o Newcomers, na França, dá mais destaque aos cantores mainstreaming e aqui voltamos o espaço para artistas independentes. Inclusive, muitos deles são negros e têm mais dificuldade em relação a espaço na mídia”, revela Sade. Ainda assim, as alterações foram naturais para a equipe, que nota referências constantes da cultura africana na brasileira.
Mesmo com tanta similaridade com os brasileiros, os artistas africanos ainda são poucos procurados pelos veículos de mídia no Brasil. Djouba, atração dedicada aos hits africanos, quebra o estereótipo de pobreza tão associado ao continente para abrir as portas à cultura vasta e poderosa de lá. “O cantor nigeriano Burna Boy é um exemplo de sucesso na África, mas quase não é citado pelos veículos de música daqui”, afirma Kenya.
Além da música, finanças, outros tipos de cultura, religião, comportamento e arquitetura também estão na programação. O programa Mwana Afrika, comandado pela jornalista angolana Mwana, é um dos responsáveis por essa diversidade de assuntos. Artistas não-negros também são convidados para participar de atrações na Trace.
Sobre a coincidência da estreia do canal e do momento político no mundo, em que o debate racial ascendeu, principalmente nas grandes instituições e entre pessoas brancas, AD Júnior pontua que “estávamos no caminho certo antes, com isso, abriu muito essa pauta com várias empresas”. Para Kenya, é importante que as emissoras concorrentes abandonem a zona de conforto e se sintam cobradas para tornar a programação e equipes mais diversas.
Kenya também relaciona o caminho da Trace ao afrofuturismo. “O Brasil está passando por um momento histórico de revisão de lugares. Por muito tempo, tivemos a nossa imagem depreciada escancaradamente na televisão. Não tem como não falar do Chadwick Boseman, que trouxe no seu trabalho o afrofuturismo e uma África distópica, na qual nós gostaríamos de viver. E a Trace também caminha nessa jornada de ampliar possibilidades e proporcionalidade”, reflete.
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