Por que “Podres de Ricos” é a comédia romântica do ano
Assistimos ao tão aguardado filme, todinho estrelado por um elenco asiático, e a boa notícia é que ele é ótimo - e representativo sim!
Eram 9 horas da manhã e o grupo do whats da minha família já bombava. “Você vai assistir ‘Podres de Ricos’ numa segunda de manhã?”, perguntava minha tia. “Todas minhas amigas que assistiram amaram, tá bombando aqui nos EUA”, escreveu uma segunda tia que mora em Los Angeles. Como boa parte das famílias de asiáticos, a minha é muito unida e sim, palpita sobre tudo uma da vida da outra, mesmo do outro lado do oceano.
Não por acaso o filme começa com uma troca de mensagens frenética por Whats sobre uma fofoca quentíssima: o ricaço Nick (Henry Golding) estaria namorando uma moça misteriosa. A mensagem cruza os EUA e chega em Singapura, nas mãos de Eleonor (Michelle Yeoh), mãe do tal bilionário. Climão! É, até aqui, bem factível.
Ok, família unida e palpiteira, claro, não é privilégio de japoneses, o meu caso. No entanto, um longa inteiro só com elenco asiático e protagonizado por um casal oriental, isso sim é novidade. Pelo menos, em Hollywood. E fez barulho. Muito. Em sua primeira semana de exibição, o longa de Jon M. Chu levantou 34 milhões e recebeu a classificação de 93% no respeitado Rotten Tomates, o maior agregador de críticas do cinema.
Veja bem, a produção cinematográfica no Leste Asiático é gigantesca. Desde que eu sou criança, eu assisto filmes japoneses, coreanos e chineses, então é claro que um elenco todo oriental não chega a ser surpreendente. Em tempos de Netflix e Amazon, menos ainda. Dá pra consumir tranquilamente estes produtos onde você estiver. O que é novo é Hollywood estar apostando nisso neste momento.
O sucesso avassalador da trilogia best-seller de Kevin Kwan nos EUA, com o título original de “Crazy Rich Asians”, também deu aquela animada na Warner Bros. em levar a história clássica da Cinderela, desta vez, sino-americana, pras telonas. O orçamento foi modesto, 30 milhões de dólares, e acabou surpreendendo, pois rendeu mais de $171 milhões, superando em faturamento, comédias como “A Proposta”, com Sandra Bullock e Ryan Reynolds, e até “Sex and the City”.
O longa chega aos cinemas brasileiros nesta quinta (25), mas também passou pela Mostra de Cinema Internacional de São Paulo.
Orgulho e preconceito
Logo na cena de abertura (pule esta parte se não quiser um pequeno spoiler!), um close da fabulosa Michelle Yeoh. Michelle, aliás, já incursionou por Hollywood outras tantas vezes, sempre como coadjuvante ou estereotipada (“O Tigre e o Dragão”, manda um alô) -, mas sempre muito talentosa e enérgica. Na cena em questão, ela surge encharcada numa recepção de hotel e é atendida por homens caucasianos. Eles fazem pouco caso da chinesa pingando no saguão e com duas crianças pelas mãos. “Talvez a senhora devesse procurar um hotel em Chinatown“, debocha o gerente, recusando a reserva que ela diz ter feito. Sim, a reviravolta que você espera é esta mesmo: ela é podre de rica e vem a ser a dona do hotel, para desespero do gerente racista. Rá, bem na sua cara, homem branco!
A cena é emblemática, mas me deixou cismada: seria um sinal secreto de que Hollywood só está dando atenção pros asiáticos, porque a grana que vem de lá é alta? Um elenco inteiramente formado por orientais só é palatável aos americanos se for travestido de muito dinheiro, luxo, cenários incríveis e ostentação? Seria a famosa curiosidade pela “cultura diferente”, que tanto alimenta o racismo?
Fiquei tensa com este pensamento, porque estava muito animada com a representatividade que este filme pudesse ter na comunidade asiática, mas aí, me desculpe, mas preciso contar mais um trechinho.
O pai da melhor amiga da protagonista- o ótimo Ken Jeong, famoso como coadjuvante de séries como “Community”- surge vestido de Elvis, falando inglês num sotaque carregadíssimo e cercado de comidas estranhas. “Ai, que decepção, vai ser aquela típica cena para brancos rirem”, pensei. E eis que ele solta em inglês perfeito: “Estava brincando, não tenho sotaque. Eu fiz faculdade nos EUA”. Mais um sinal de que o roteiro tem suas referências irônicas aos preconceitos que estamos acostumados a ver com orientais. E que alívio poder ver um filme sem whitewashing (quando atores brancos são escolhidos para interpretar personagens de outras etnias) ou com adaptações capengas, totalmente ocidentalizadas, como em ‘Memórias de uma gueixa’.
Comédia romântica é o começo!
Prefiro acreditar que uma comédia romântica nos moldes bem hollywoodianos foi a forma de conquistar um público maior e, finalmente, trazer diversidade e representatividade para um gênero dominado por meninas loiras sendo más, morenas no papel de patinho feio e um galã ocidental de bom coração. De fato, todos os elementos da tradicional comédia romântica estão ali. E sim, são bem charmosinhos. Mas tem também os aspetos culturais que trazem sabor agridoce à trama: as tradições familiares e culturais, os preconceitos enraizados, a criação dos filhos sob moldes bem estabelecidos e até a preocupação com a comida (orientais entenderão! Já jantei, mãe!).
A professora de economia Rachel Chu (Constance Wu) namora há 1 ano o bonitão Nick Young. Sem saber sobre o passado dele, ela aceitar viajar à Singapura para acompanhá-lo a um casamento e descobre que, PÁ, ele é SÓ o herdeiro da família mais rica do país. Aí entram as muitas festas com ostentação – dá-lhe imagens deslumbrantes de drones!- , coreografias, rivais infernais, a amiga alívio cômico, a sogra megera e claro, figurinos gloriosos. Sim, com direito a #DiadePrincesa e vestido azul de Cinderela moderna!
Tudo ao som de versões em chinês de clássicos americanos, como “Material Girl“, da Madonna, e uma bonita “Can’t Help Falling In Love”, de Elvis Presley, na voz de Kina Grannis, respeitada cantora indie envolvida nas questões raciais da comunidade asiática americana.
Como se trata de uma comédia romântica de 2018, claro que alguns elementos clássicos, também ganharam aspectos contemporâneos. E se segura que é chuva de personagens femininos fortes: da matriarca durona da família rica à mãe solteira, pobre e corajosa da protagonista, as mulheres são a força motriz desta história.
A responsável por este girl power é a roteirista Adele Lim, que exigiu mais peso às personagens femininas. E a questão racial, tão discutida nos EUA, também está lá. Em determinado momento, a protagonista é chamada de “banana”, uma referência que chineses fazem aos seus descendentes nascidos e/ou criados dentro da cultura ocidental. “Você é amarela por fora, mas branca por dentro”, Rachel escuta e conclui um pensamento incômodo: imigrante nos EUA, estrangeira para a comunidade chinesa.
A China despertou
Não me odeie, mas preciso soltar mais um spoiler: logo de cara, o filme começa com uma frase de Napoleão Bonaparte. “A China é um gigante adormecido. No dia em que despertar, o mundo vai tremer”. Isso talvez seja o presságio de Hollywood começando uma nova era. Vale lembrar que quem está por trás do filme é a gigante Warner Bros., então as expectativas são altas! O diretor Jon M. Chu revelou que se Podres de Ricos fosse bem, estaria abrindo portas para outros projetos asiáticos que já estavam engatilhados.
Bom, taí, a Netflix promovendo à exaustão “Para todos os garotos que já amei”, um filme protagonizado pela descendente de vietnamitas Lana Condor e mais recentemente, “Buscando…”, um thriller sobre um pai atrás da sua filha, que bem poderia ter sido protagonizado por Liam Neeson. Aliás, o protagonista é John Cho, um ator sul-coreano que você já deve ter visto como coadjuvante – a.k.a amigo engraçadão- em filmes como “American Pie” e “Madrugada Muito Louca”.
Pois é, finalmente, chegou a vez dos estúdios darem valor aos atores asiáticos e colocá-los como protagonistas. Demorou, né? Sandra Oh que o diga! Ela foi a primeira mulher asiática a concorrer a um prêmio Emmy de Melhor Atriz (por “Killing Eve”). Estamos em 2018, olá, mundo!
Foram 25 anos, mais precisamente desde “O clube da felicidade e da sorte“, sem que um filme de estúdios americanos apostasse em um elenco totalmente oriental. E o receio não era apenas do filme naufragar por não ter protagonistas estrelados, mas da história também não ser bem aceita com as plateias do leste asiático. Por mérito de todos os envolvidos, não foi o que aconteceu. Quase 1 mês depois da estreia, “Podres” foi bem recebido por audiências chinesas, filipinas, malásias, japonesas e pela comunidade sino-americana.
E o sucesso, enfim, chegou!
No elenco de “Crazy Rich”, você vai se deparar com rostos que já deve ter visto antes, mas nenhum grande salário estrelado. É o caso de Sonoya Mizuno, que você deve ter visto em “Maniac”, “La la Land” e “Aniquilação”. Tem também a comediante Awkwafina, de “Oito Mulheres e um segredo”, que vem a ser a primeira mulher asiática em 20 anos a apresentar o “Saturday Night Live”. Tá bom pra você?
O sucesso também surpreendeu e até assustou um pouco a protagonista, a atriz Constance Wu, que declarou ainda estar se acostumando à fama e premières. Ela declarou que já estava até conformada com os papeis secundários e nem tinha grandes pretensões de ser protagonista um dia. “Quando você está feliz com o que está fazendo, você não precisa de mais dinheiro, que só viria pra comprar mais coisas. Não preciso disso”, declarou ao programa The View, mas deixou bem claro que está adorando o fato deste trabalho abrir portas e trazer representatividade.
“Estou na indústria tempo suficiente pra ter visto como muitos de nós já tentaram se impor nesta profissão e dizer que somos igualmente capazes aos talentosos caucasianos em papéis de protagonista, que poderíamos ter direitos iguais de contar nossas histórias. Sempre foi uma grande batalha, então pra mim, fazer parte deste filme é impactante e importante”, declarou também Michelle Yeoh, em entrevista à CNN. “Este filme é só um aperitivo do que está por vir. Ele transcende o que é asiático e o que é caucasiano. Queremos só contar histórias bonitas”, pontuou. Com o sucesso, já confirmaram que o elenco volta pra continuação e os roteiristas Peter Chiarelli e Adele Lim já estão trabalhando na sequência.
Como no Mahjong (jogo de origem chinesa mostrado no filme), sabemos que é preciso paciência para interpretar a jogada de Hollywood com este boom de representatividade asiática. É peça por peça sendo construída com esmero por atores, diretores, produtores e estúdios. É uma jogada pra acabar com os estereótipos aqui, outra jogada pra dar peso, diferenciação e complexidade à tantas culturas que englobam a Ásia. “Eu sei que “Podres de Ricos” não vai representar todos os asiáticos e descendentes na América. Então para aqueles que não se viram ali, eu espero que vocês encontrem logo uma história que te represente”, escreveu Constance em seu Twitter.
A combinação das peças está toda lá e o jogo está montado. Tomara que a gente vença.
(P.S: não esquecer de mandar esta matéria por whats pra minha família! )