O primeiro livro de Rupi Kaur vai te deixar apaixonada por poesia
De origem indiana, a canadense tem quase 1 milhão e meio de seguidores na internet - e acaba de ter seus poemas traduzidos para o português.
Quando a poeta* Rupi Kaur decidiu bancar, sozinha, a publicação de seu primeiro livro, isso pode até ter parecido uma má ideia. Para muitos, afinal de contas, a poesia já não parece ter hoje o apelo de antigamente – e esse gênero literário pode não soar exatamente como o melhor dos investimentos. Mas será que esse jeito de ver as coisas está correto?
Diante dos 1 milhão e 400 mil seguidores que Rupi atualmente acumula entre Facebook, Twitter e Instagram, pode-se dizer (com ampla certeza) que não. Foi através destas redes sociais, inclusive, que essa canadense de origem indiana começou a compartilhar sua poesia, e foi também ali que percebeu: havia muita, mas muita gente se identificando de imediato com a força do seu trabalho.
Corajosa, Rupi de fato publicou “Milk and Honey” por conta própria em outubro de 2015, aos 23 anos de idade. No ano seguinte, ela já estava na lista dos mais vendidos do The New York Times, e, agora, seu livro está se espalhando pelo mundo inteiro – inclusive pelo Brasil. Por aqui, foi uma editora grande, a Planeta, quem se interessou pelo trabalho da moça. Com o título “Outros Jeitos de Usar a Boca“, o livro foi traduzido pela poeta paranaense Ana Guadalupe.
O que é que a indiana tem?
Mas o que faz com que a poeta consiga um sucesso desse tamanho? As redes sociais em que acumula fãs com certeza têm muito a ver com isso. O Instagram de Rupi, particularmente, estourou de seguidores (e também de haters) depois que uma foto dela foi censurada em 2015.
A imagem em questão mostrava a poeta de costas – e, na calça de seu pijama, uma pequena mancha de menstruação. Depois de censurada, ela apontou a hipocrisia da rede social, que não parece se importar com fotos de menores de idade sendo objetificadas e apresentadas de forma sexual. “Eu não vou pedir desculpas por não alimentar o ego e o orgulho de uma sociedade misógina, que aceita meu corpo de calcinha e sutiã mas que não aceita um pequeno ‘vazamento'”, chegou a dizer.
Muito mais do que a polêmica, no entanto, não há dúvida de que os leitores são atraídos pela força impressionante do trabalho de Rupi. De forma simples, mas impactante e absurdamente sincera, seus poemas falam sobre a condição da mulher no nosso mundo.
“Me identifico muito com muitos dos temas e das experiências que ela aborda no livro”, conta a tradutora do livro no Brasil, Ana Guadalupe. “Fiquei muito impressionada com o peso dos poemas, a coragem de tratar de tabus, e com o jeito ‘aberto’, livre de cinismo, com que ela se posiciona”. Para ela, a chegada do trabalho da canadense por aqui tem a ver com o momento receptivo do país em relação a esse gênero literário – especialmente quando ele é escrito por mulheres. “As mulheres da poesia contemporânea brasileira não querem deixar dúvida da qualidade do que produzem, da relevância, da variedade de vozes, da riqueza das temáticas”, opina.
O que uma garota (sikh) quer
Rupi é uma mulher de cor, imigrante e adepta de uma religião bastante hostilizada mundo afora, o sikhismo. Bastante específicas, essas vivências evidentemente se refletem em sua escrita. Mesmo assim, pessoas dos mais diferentes contextos – e do mundo todo – são capazes de se emocionar com sua poesia. “Isso é tão estranho”, Rupi confessa, em entrevista ao jornal britânico The Guardian. “Como uma mulher branca de 50 anos se identifica com isso?”.
Por ter crescido, justamente, em uma comunidade de origem indiana e sikh, Rupi cresceu rodeada de estereótipos e limites muito rígidos sobre como a vida de uma mulher deve ser. “Para as mulheres do sul da Ásia, você precisa ser quieta e não pode ter muitas opiniões”, ela explica.
Se os temas abordados em sua poesia são tabus na sociedade ocidental, eles são ainda mais polêmicos no contexto em que nasceu. De fato, a comunidade sikh ainda não conhece muito bem sua poesia – mas a autora diz já ter encontrado pessoas “parecidas com sua mãe” nas plateias para quem lê seu trabalho. “Nesse momentos, eu penso: ‘tudo bem, estou fazendo algo certo”, diz. “E eu só quero continuar fazendo isso”. Continue mesmo, Rupi, por favor.
* A escolha do termo se justifica pela interpretação de “poetisa” como uma palavra pejorativa, quando em comparação ao “poeta” usado só para homens.