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Mariana Enriquez mostra sua fórmula para criar histórias de terror viciantes

A argentina, que participará da Bienal Internacional do Livro Rio, em dezembro, descreve seu gênero literário como ficção dark

Por Isabella D'Ercole Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 24 nov 2021, 16h24 - Publicado em 24 nov 2021, 16h00
bienal rio
 (Fotos Mariana Enriquez, Awakening//Getty Images)
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uando faz turismo em outras cidades e países, é comum que a argentina Mariana Enriquez encaixe na programação visitas a cemitérios. Apesar de muita gente considerar esse comportamento exótico ou até macabro, ela discorda. “É antropológico, mostra rituais e tradições de um povo”, descreve a autora, que participará de uma mesa na Bienal Internacional do Livro Rio, com Josh Malerman e Matt Ruff, outros autores de terror.

Para Mariana, pessoalmente, os cemitérios têm um significado mais profundo. “Cresci na Argentina durante a ditadura militar e muitas pessoas desapareceram, corpos nunca foram encontrados. Para mim, o fato dessas tumbas não existirem, ou de estarem vazias, é mais assustador do que caminhar por um cemitério”, fala ela durante entrevista feita por videochamada da sua casa, em Buenos Aires.

Mariana publicou seu primeiro livro aos 21 anos e logo virou sensação em seu país. A atenção que a jovem recebeu correspondia ao seu talento para criar narrativas de ficção capazes de prender o leitor e deixá-lo sem fôlego, num misto de sustos com situações extraordinárias e personagens de fácil identificação.

Ainda produziu não-ficção, inclusive o livro de crônicas Alguien Camina Sobre tu Tumba: Mis Viajes a Cementerios (Alguém caminha sobre a sua tumba: minhas viagens a cemitérios, em tradução livre), que não ganhou versão em português, mas originou o começo do nosso papo.

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Em 2019, ela venceu o maior prêmio literário para línguas castelhanas, o Herralde de Novela, por Nossa Parte da Noite (Intrínseca, R$ 79,90), lançado este ano no Brasil. A trama de quase 600 páginas acompanha a viagem de pai e filho atravessando a Argentina da capital até as Cataratas do Iguaçu.

Com a ditadura como plano de fundo, durante os anos 1960, a história apresenta fatores sobrenaturais, uma ordem mediúnica e rituais de tortura e sacrifício. Essa combinação de realidade e fantasia se tornou a marca registrada de Mariana, que nomeou seu gênero de ficção dark.

“Não é terror puro, porque também tem momentos de humor e ironia, de ficção científica”, descreve a autora, que explora a técnica em As Coisas que Perdemos no Fogo (Intrínseca), outro dos poucos títulos que foram traduzidos.

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Seja qual for o nome que Mariana escolhe dar ao seu trabalho, é óbvio que ela tem domínio sobre a área. Fã de outros autores e cineastas do terror, cita exemplos e faz análises de clássicos como em uma aula.

“O terror deve acompanhar o tempo em que ele é produzido, porque reflete a cultura e os medos sociais. Não inventei isso ou cheguei a essa conclusão sozinha. Basta observar o trabalho do Stephen King. Carrie é um livro sobre os adolescentes norte-americanos, o bullying e a violência na escola. Aí ele adiciona o elemento fantástico dela ter poderes telecinéticos, o que aumenta o volume de um cenário real”, exemplifica a argentina, citando também a possibilidade de adicionar elementos regionais, criando narrativas bem específicas.

LIVRO
(Divulgação/Reprodução)
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“Mary Shelley, autora de Frankenstein, foi uma mulher que perdeu muitos filhos, algo que acontecia bastante na época em que ela viveu, e ela também era órfã de mãe. Quando entendemos esse contexto, percebemos a potente metáfora da trama que fala sobre alguém tentando dar vida a algo”, continua.

“E há que se pensar que ela estava na Inglaterra no início do processo de Revolução Industrial, então devia ter curiosidade para saber onde a ciência levaria a humanidade, e, ao mesmo tempo, estava numa sociedade muito religiosa. A pergunta crucial na época era: ‘O homem vai acabar desafiando Deus?’”, provoca a autora.

Hoje, os fatores que podem compor uma história de terror são múltiplos. Mariana cita um filme que assistiu com o enredo baseado na trajetória de um refugiado africano em direção ao Mediterrâneo.

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“No começo, fiquei em dúvida se aquilo seria cruel demais, ultrapassaria o limite, mas o diretor soube usar a sensibilidade e expôs o horror da situação. Acho que o cinema e a literatura estão percebendo que o terror é algo muito próximo de nós, familiar. A nossa mente pode nos adoecer, o corpo, especialmente o feminino, passa por enorme escrutínio, sofremos violência institucional, política, ameaças rotineiras em grandes cidades. Agora também tem a questão do meio ambiente, o risco de acabar tudo. Isso deve gerar terrores ecológicos. Começa sempre em algo que conhecemos bem”, finaliza.

A Bienal do Livro Rio acontece de 3 a 12 de dezembro e a mesa de Mariana será no dia 5. A participação dela e dos outros autores será online. Os ingressos já estão à venda no site bienaldolivro.com.br.

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