“Mise en Scène”, o documentário que exalta a arte e intimidade de artistas
Para CLAUDIA, Maytê Piragibe fala sobre suas experiências à frente da produção, que conta com nomes como Zezé Motta e Cássia Kis
O quanto o individual criativo de cada artista interfere em sua entrega à arte? Para quem consome as produções, sejam elas filmes, novelas, peças teatrais ou qualquer outro produto artístico, talvez isso não seja tão perceptível, mas para aqueles que têm a arte como profissão, conviver e rebuscar sempre que possível a sua essência criativa é primordial.
Às vezes, esse fundamento se esconde, se perde, tal como uma ideia boa que estava acessível na mente e, subitamente, desaparece. Começa então uma corrida para o reencontro daquela particularidade tão necessária para mergulhar nos trabalhos, criar e viver o seu personagem. Sobre essas redescobertas e reencontros com a essência, Maytê Piragibe entende bem.
A artista é produtora do documentário Mise en Scène: a Artesania do Artista, obra que fala exatamente sobre a diversidade construída a partir da forma individual de lidar com a arte. Maytê idealizou o projeto em um momento em que ela mesma buscava resgatar o seu olhar puro e genuíno, aquilo que a fez ser atriz.
Trabalhando ao lado de Manuh Fontes e Leandro Pagliaro, que também assinam a direção e roteiro do produção, a atriz estruturou o documentário com base no livro Cartas do Poeta Sobre a Vida, obra literária do poeta Rainer Maria Rilke.
O “filósofo”, como Maytê descreve o escritor, traçou em seu livro um paralelo da vida adulta com a infância, aspecto que permitiu que ela tivesse a ousadia de explorar como é o processo criativo das atrizes e atores que participaram do projeto e o quanto suas histórias de vida interferem em seu “ser artista”.
“Esse documentário foi um resgate de amores, porque uma coisa é os atores irem para uma coletiva de imprensa, outra coisa é você abrir a caixinha da alma deles, resgatando as memórias e lembranças da infância e, até mesmo, a sua identidade”, diz Maytê Piragibe em conversa com CLAUDIA.
Quando chega o seu roteiro, qual o lugar que você se sente mais confortável para estudar?
A pergunta foi a base para imergir na vida de cada participante. “O elenco foi formado independente de sua jornada, tanto que há atores mais jovens, de teatro, assim como outros muito consagrados. A nossa busca foi pela multiplicidade e representatividade. Todos eles foram muito generosos em abrir suas casas e nos mostrar o seu lugar de paz”, afirma a atriz.
Com a narração de Glória Pires, a produção reúne depoimentos de renomados artistas, como Antônio Fagundes, Zezé Motta, Camila Pitanga, Dira Paes, Marco Nanini, Gabriel Leone, Cassia Kis, Bruno Fagundes, Gustavo Miranda, Lucas Oradovschi, Maurício Flórez e a própria Maytê.
Sobre as experiências que obteve com a produção, Maytê relembra o momento da primeira entrevista. “Foi com a dona Cássia. Ela colocou a gente no quarto dela, todos sentadinhos no chão, enquanto dava uma aula para nós”, recorda. “Aquilo, para mim, foi como se fosse o meu MBA, PhD, a minha monografia”, brinca.
O trabalho, que se iniciou há quatro anos, teve sua estreia recentemente, mas já mostra sua maestria ocupando a lista de programas mais assistidos do GloboPlay. Internacionalmente, a obra concorre como melhor documentário no Festival Independente de Cinema de Toronto e também será exibido no Festival Internacional Feminino de Cinema de Toronto.
Para aqueles que se doaram pela produção e execução do mesmo, o sentimento, às vezes, é de pura incredulidade. “Minha ficha ainda não caiu”, brinca a atriz, que por conta da pandemia acumulou funções ao trabalhar com o documentário.
“Eu fui câmera, colaborei no figurino, fui assistente de direção, produtora executiva junto com os meus sócios e, simultâneo a tudo isso, estava atuando como apresentadora no Canal Like, lidando sozinha também com maquiagem, direção de arte, edição, iluminação e cenário”, explica. Para Maytê, a circunstância fora do comum contribuiu para sua própria realização.
“Eu choro, celebro, porque é tudo tão difícil, tão penoso, trabalhoso, ainda mais no nosso país. Toda essa conquista é um abraço na minha alma”, afirma a atriz.
Não precisamos nem dizer que por meio desse processo e dessa experiência ela encontrou o caminho de volta para si mesma, não é mesmo?
Manifesto
Além de uma imersão à vida artística, o documentário Mise en Scène: a Artesania do Artista também é um manifesto, uma bandeira de resistência da arte.
“Esse é um trabalho muito importante que ganhou uma relevância ainda maior nesse momento político e de agravamento da pandemia”, aponta Piragibe. “Ele é um projeto de guerrilha, que não teve qualquer incentivo público ou patrocínio, mas tomou grandes proporções.
“Esta obra se iniciou por causa da minha curiosidade de saber a fundo sobre o processo criativo dos atores que eu tanto admiro, mas acabou que aconteceu um manifesto pela arte, tornando-se assim um ato de resistência”, defende.
“Esse documentário enaltece o poder da criatividade para qualquer profissão. É o processo criativo e investigativo, traduzindo a nossa beleza, a relação com Deus, com a política, com a cidadania por si só e tantos outros aspectos. Ele foi um despertar ainda mais de consciência não só para nós realizadores, mas também pela relevância que tem nesse período de reabertura, de retomada cultural”, diz Maytê.
Os anseios da atriz e produtora não param por aí. Para Maytê Piragibe, esta é apenas a primeira guerrilha. Ainda há muitas das quais ela pretende participar.