Lya Nazura e a força do afrofuturismo para descolonizar a arte
Multiartista e pesquisadora da Zona Leste de São Paulo utiliza murais e ilustrações para desconstruir a narrativa de violência que recai em pessoas negras
Em 2017, Lya Nazura fez uma foto onde os rostos e cabelos de mulheres negras pareciam se entrelaçar, como metáfora de conexões ancestrais entre elas. Este ano, foi a essa imagem que Lya, uma artista multidisciplinar, arte educadora e pesquisadora residente da zona leste da cidade de São Paulo, recorreu para buscar inspiração para o mural Informação é Conexão, que, desde o início de março, ocupa a fachada superior do CEU (Centro Educativo Unificado) São Rafael, na capital paulista. “Nessas obras, quis retratar mulheres negras sem enfatizar a violência que, historicamente, incide sobre seus corpos”, conta ela, de 24 anos, mestranda em História na PUC-São Paulo. Resultado da parceria entre a artista, que faz parte da comunidade de criativos All Star (Converse), com a prefeitura da cidade e a organização internacional The Carter Center (patrocinador da campanha global Informe Mulheres, Transforme Vidas), o mural reflete suas pesquisas sobre o Afrofuturismo.
O trabalho feito pela artista aborda as informações existentes dentro de cada mulher, saberes herdados de geração por geração, pela transmissão oral de conhecimento feita pelas mulheres mais velhas às mais jovens em cada família. O acesso a essas informações é uma forma de fortalecer a comunidade feminina e, assim, transformar experiências e dar ferramentas para o enfrentamento das questões cotidianas. “O afrofuturismo tem uma possibilidade criativa imensa e eu optei por não pautar a violência como ponto central do meu trabalho. Busco falar das contribuições e saberes desses corpos que são transmitidas de uma mulher a outra. Essa leitura sob a ótica de violência vem sempre de uma terceira pessoa”, reforça Nazura, como prefere ser chamada.
Ela diz que sempre se considerou artista e que a arte sempre foi algo muito essencial e presente em sua vida. “Desenho desde criança e, de início, era muito influenciada pela cultura cyberpunk”, conta. Multiartista, afirma que não se sente mais à vontade com uma mídia ou outra (ela também gerencia o Coletivo Morfose, Coletivo de Cinema Experimental da Zona Leste de São Paulo), mas admite que tem trabalhado mais com murais e ilustrações. “Quando pinto na rua, me sinto muito acolhida pela cidade, em geral. Seja pelos artistas que eventualmente dividem paredes comigo ou pelas pessoas que passam por ali e param para olhar. Isso fortalece, de alguma forma, o meu trampo“, diz.
Nazura tem a pesquisa como elemento fundamental no seu processo criativo. “Me ajuda a evitar frustrações”, explica. Isso foi parte do que motivou sua decisão de ingressar na faculdade de Comunicação e Artes Visuais. “Quando entrei no curso, queria ser professora, educadora, porque não tinha referência de artistas na minha condição, já sabia das dificuldades do mercado…”, revela. Ela continua com os estudos e desenvolve também uma linha de pesquisa sobre a representatividade negra nas histórias em quadrinhos, mas, felizmente, a pulsão de fazer arte nunca foi aplacada. “Quase sempre é uma faísca que vem como inspiração. E, a partir dela, crio algo maior”, conta. Em um mundo carente de mais ferramentas para fomentar as “conexões femininas que suportem os sonhos uma das outras”, como Nazura define seu mural, oxalá essa faísca nunca se apague.