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Jenifer Prince e a arte de ilustrar o amor lésbico em estética vintage

A artista mineira expressa o afeto (e o desejo) entre mulheres em ilustrações com discurso feminista

Por Joana Oliveira
8 jul 2022, 08h44
'I can't think straight', ilustração de Jenifer Prince.
'I can't think straight', ilustração de Jenifer Prince. (Jenifer Prince/Reprodução)
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Duas mulheres se encaram, muito próximas, de olhos fechados. A de pele escura e cabelo longo, preso numa trança, acaricia o rosto da outra, de pele clara, cabelo curto e bicolor. Essa foi a ilustração que fez com que Jenifer Prince, de 29 anos, decidisse dedicar-se definitivamente ao ofício de artista. Era 2016 e aquela, uma de suas primeiras artes digitais, foi escolhida como cartaz da Dyke March, marcha anual de lésbicas de São Francisco, nos Estados Unidos, onde a brasileira fazia intercâmbio. “Quando vi aquelas mulheres incríveis segurando meu pôster, percebi que queria me representar e representar outras como eu”, conta.

Hoje, seu trabalho é construir “narrativas sáficas com estética vintage”, desenhos únicos que lembram quadrinhos antigos, com os quais conquistou uma legião de fãs (mais de 258 mil, para ser exata) no Instagram e no Twitter.  Jenifer começou a desenhar ainda criança, em Guaxupé, sua cidade natal em Minas Gerais, de pouco mais de 50 mil habitantes. Nos seus primeiros esboços havia, sobretudo, mãos femininas entrelaçadas. Olhando para trás, ela vê nesses rascunhos um reflexo de seus desejos e sentimentos inconscientes. “Eu não tinha referências de pessoas que viviam sua sexualidade publicamente. Para mim, a possibilidade de ser uma mulher lésbica não existia, mas a chance de ilustrar o que sentia me ajudou muito a me entender como tal”, diz.

Também eram escassos ou inexistentes os exemplos de pessoas que conseguiam fazer da arte uma profissão. Ainda assim, Jenifer decidiu mudar-se para Juiz de Fora, onde estudou cinema, moda, artes e design num único curso. “Tendo crescido sem acesso à internet, meu conhecimento era bem limitado. Lembro do quanto me surpreendi quando descobri que existiam outros tipos de papel além do sulfite”, ri. À medida que aprendia, ela se profissionalizava, construindo uma identidade estética inconfundível, que mescla referências do pop contemporâneo com as pulp novels, revistas impressas em papel e tintas baratas com narrativas “de emoção”, por vezes sensacionalistas, muito famosas nas décadas de 1980 ou 1990.

A principal diferença é que, em vez de um homem forte e viril carregando nos braços uma donzela indefesa, a arte de Jenifer é protagonizada por mulheres que expressam amor e desejo umas pelas outras. “Desde muito nova, eu ilustrava minhas experiências e levava, de alguma forma, as minhas relações para a ilustração, mesmo que não de forma explícita. Foi na Dyke March que vi a possibilidade de fazer uma arte que fosse menos sobre mim e mais sobre todas nós. Quero contar histórias que outras pessoas vivem ou que eu gostaria que existissem”, reflete.

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Recentemente, ela chamou a atenção da Netflix, que a convidou para ilustrar a campanha de divulgação da série Primeira Morte, trama adolescente sobre uma vampira e uma caça-vampiras que se apaixonam. Uma narrativa leve sobre relacionamentos entre mulheres que a própria Jenifer desejava ter assistido enquanto crescia. “Apesar de ter me entendido cedo como não-hétero, demorei a me entender como lésbica porque, enquanto consumia todo tipo de série e filme que encontrava sobre relacionamentos assim, aos 14 ou 15 anos, só via histórias sobre a dificuldade em sair do armário. Felizmente, temos visto mais enredos sem todas as batalhas para existir e ser aceita”, celebra.

Amor e além

As cenas ilustradas por Jenifer são, frequentemente, trocas de carinhos e palavras de afeto entre suas personagens, mas não faltam duplos sentidos e um erotismo refinado, muito distante da hiperssexualização que ainda recai sobre mulheres lésbicas em em muitas narrativas da cultura de massas. “Sempre fiz arte erótica e sempre tive cuidado em representar pessoas para além daquele casal lindo e dentro dos padrões de beleza”, conta.

'Let her go', de Jenifer Prince.
”Let her go’, de Jenifer Prince. (Jenifer Prince/Reprodução)
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A diversidade racial e de corpos é uma prioridade no seu processo criativo. “Quando comecei, eu mesma tive dificuldade em encontrar representações de lésbicas não brancas”, acrescenta ela, cujas principais referências, além de todo o universo pop, são os filmes antigos de Hollywood e as canções românticas da década de 1950 (ainda que também seja fã de Taylor Swift). Jenifer se diz feliz ao perceber que, lentamente, as narrativas LGBTQIA+ tornam-se mais inclusivas, com maior presença de personagens trans, por exemplo.

E ela quer contribuir com seu grão de areia nesse processo. Enquanto continua a criar suas artes digitais, desenvolve um livro e tenta não se deslumbrar com o sucesso nas redes. “No começo, sentia a pressão dos likes, mas faço terapia para não ficar aflita com isso.” O que ela quer é continuar representando, com beleza e honestidade, a paixão entre mulheres.

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