Anna Muylaert: “O machismo está nas pequenas regras do dia a dia que diminuem a mulher”
A diretora do longa "Que Horas Ela Volta?" fala sobre o machismo que vivemos em nosso cotidiano
Desde que lançou seu Que Horas Ela Volta?, em agosto, a cineasta paulistana Anna Muylaert, 51 anos, já colheu frutos doces e amargos de seu sucesso. Escolhido como representante do Brasil a uma vaga no Oscar 2016, o longa, que discute, do ponto de vista da doméstica, o conflito da mãe que sai para trabalhar e deixa os filhos com a babá, rendeu a Regina Casé o prêmio de melhor atriz no Festival Sundance de Cinema, nos Estados Unidos, levou o de melhor filme pela escolha do público na mostra Panorama, no Festival de Berlim, e foi vendido a 22 países. Ao entrar em evidência, Anna provocou a ira e a ciumeira dos machistas de plantão. Primeiro, teve a apresentação na estreia em Recife grosseiramente interropida pelos colegas Lírio Ferreira e Cláudio Assis. O fato gerou uma onda de apoio a ela na internet – que levou ambos a se desculparem publicamente. Pouco depois, Anna viu sua página do Facebook sair do ar por dois dias graças a uma falsa denúncia de nudez.
Você foi silenciada pelos cineastas e, recentemente, no Facebook. Isso é sinal de que suas opiniões estão incomodando?
O homem não está acostumado a ver a mulher brilhar e temos uma tendência a nos envergonhar de nosso sucesso. Não é natural ainda. Veja que os filmes que amamos são protagonizados por homens. É normal na nossa cultura que o herói seja do sexo masculino. Mas estamos quebrando isso, vivemos um momento de transição.
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Quais os sinais de que estamos no caminho certo?
A partir dos anos 1960, houve aquela primeira onda de feminismo, a mulher saiu pra rua e conquistou um espaço novo, fora de casa. Hoje ela está forte, estável. O filme do ano é de uma diretora, a presidente é mulher. Assumimos um ponto central. As regras da sociedade, porém, ainda não foram atualizadas. A mulher saiu pra rua, mas o homem não entrou para casa. Por que educar filho é assunto feminino? Os homens aprendem a lutar, a colocar para fora essa energia, enquanto elas são ensinadas a calar, ter compaixão. Nós ainda temos que desenvolver nossas armas, como eles. Por isso, vamos lá falar de assédio (com a campanha #PrimeiroAssédio), nos expondo desse jeito – essa é a nossa arma.
O machismo está tão introjetado a ponto de nem ser notado?
O machismo não é fácil de ser percebido. As pessoas acham que o machista é o cara que bate em mulher. Esse é o criminoso. O machismo está nas pequenas regras do dia a dia que diminuem a mulher. Quantas vezes aceitei não ser chamada para uma reunião de que eu deveria participar? Parece algo lá de trás, mas acontece hoje, aqui e agora.