Por que a guerra na Ucrânia também é problema nosso?
O que acontece no leste europeu não fica apenas no leste europeu
Independentemente de estar ou não por dentro dos últimos desdobramentos da guerra na Ucrânia, você com certeza já ouviu falar sobre os efeitos do conflito. Os recentes aumentos nos preços dos combustíveis e dos alimentos, como o trigo e a cenoura, que já vinham sendo afetados por fatores como as mudanças climáticas, são só alguns exemplos de como o que acontece ao redor do mundo diz respeito não somente a quem está no foco do noticiário, mas a todos nós – de adultos a crianças.
No Joca, jornal para crianças e adolescentes que fundei em 2011, sempre buscamos abordar o conflito na Ucrânia por meio de diferentes perspectivas. No mês passado, por exemplo, quando o diesel teve seu segundo reajuste em 60 dias, surgiu uma oportunidade de mostrarmos aos nossos leitores que o que acontece no leste europeu não fica apenas no leste europeu (e como o aumento no preço dos combustíveis não afeta só a quem tem carro, mas a todos que consomem produtos transportados por caminhões, abastecidos pelo diesel). Na minha opinião, entender que precisamos ir além do que acontece no nosso quintal é essencial para compreender o mundo à nossa volta – e, é claro, incluo as crianças nessa equação.
Ninguém precisa gostar de política para saber que, talvez, o macarrão não está sendo mais preparado em casa com tanta frequência porque o valor do trigo aumentou em decorrência de motivos que invadem o noticiário, como a pandemia do novo coronavírus e, como cereja do bolo, a guerra. Também não precisamos emitir uma opinião sobre o conflito para constatar o aumento da inflação nos últimos meses. Aqui no Brasil, muito se fala sobre o impacto da guerra no setor automobilístico nacional. O segmento, que já vinha sendo impactado nos últimos anos por motivos como os lockdowns na China, hoje enfrenta a falta de peças e montadoras são obrigadas a dar férias coletivas a seus funcionários por não terem o que produzir.
Conversei com o economista Elia Rinaldi, presidente da empresa Adler Pelzer, especializada em peças acústicas do setor automobilístico, no Mercosul, e entendi que nenhum fato isolado foi o único responsável pela crise no setor. “São vários efeitos cascata. A pandemia, a falta de microchips e o aumento do preço dos combustíveis fizeram com que o preço dos carros aumentasse consideravelmente”, afirmou o especialista. É por isso que, na minha opinião, compreender os diversos fatos que ocorrem ao redor do mundo é essencial para termos uma noção do porquê dos acontecimentos à nossa volta. E os efeitos não se limitam ao preço dos produtos que compramos. Até mesmo a forma como nos relacionamos com a natureza está sendo moldada pelos desdobramentos do que ocorre no leste europeu.
“Antes da guerra na Ucrânia, se estava investindo em carros que não usam combustíveis fósseis, como carros elétricos. Mas o fato de que o mundo está dependendo de países que não são democracias, como a Rússia e a China, está fazendo com que as empresas repensem a viabilidade desses carros”, explica o economista. “A China, por exemplo, é a fonte de 70% da matéria-prima usada para fazer as baterias”, completa.
Outros efeitos ao redor do planeta
Saindo um pouco do Brasil, vale destacar que outros países já estão se movimentando para diminuir sua dependência em relação à Rússia por conta do conflito. A Itália e a Alemanha, que são fortemente dependentes do petróleo e do gás russos, por exemplo, estão reduzindo as importações do país governado por Vladimir Putin. “Nesse momento, a Itália está importando muito mais gás e petróleo do que antes da guerra, porque está já estocando para o inverno. Mas, por causa do conflito, isso está acontecendo de forma muito mais acelerada, para se prevenir do que pode acontecer no futuro”, explica Rinaldi.
Apesar de ser comum consumirmos notícias sobre países desenvolvidos, pouco se comenta sobre os impactos do conflito para nações em desenvolvimento, como as da África. Se no mercado global cerca de 30% do trigo provém da Rússia ou da Ucrânia, no continente africano existem países onde esse número sobe para 80%. Nesse momento em que o acesso a produtos importados dos países em conflito está dificultado e os preços foram elevados, a insegurança alimentar se torna um medo cada vez mais real na região.
Para mim, exercer nosso dever cidadão implica em aguçar, constantemente, nosso senso crítico através dos acontecimentos que ocorrem pelo planeta – e não apenas os que nos afetam diretamente. É como me comentou o economista com quem conversei: “Não dá para falar que o mundo parou de funcionar, mas ele está funcionando em uma velocidade diferente. Isso porque os países são muito intercalados uns com os outros, eles não são isolados”.