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Stéphanie Habrich

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Stéphanie Habrich é CEO da editora Magia de Ler, apaixonada pelo mundo da educação e do jornalismo infantojuvenil. Fundadora do Joca, o maior jornal para adolescentes e crianças do Brasil e do TINO Econômico, o único periódico sobre economia e finanças voltado ao público jovem, ela aborda na coluna temas conectados ao empreendedorismo, reflexões sobre inteligência emocional, e assuntos que interligam o contato com as notícias desde a infância e a educação, sempre pensando em como podemos ajudar nossos filhos a serem cidadãos com pensamento crítico.
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O que é o ‘Mi Casa, Tu Casa’, iniciativa finalista do Prêmio Jabuti

Movido por jovens, o projeto tem como objetivo construir bibliotecas em abrigos para refugiados e migrantes venezuelanos em Roraima

Por Stéphanie Habrich Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
22 nov 2022, 08h47
projeto refugiados - mi casa, tu casa
Uma das bibliotecas entregues pelo projeto.  (Divulgação/Divulgação)
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Tenho certeza de que você, assim como eu, já ouviu falar que as crianças são os cidadãos do futuro. Mas confesso que não concordo totalmente com essa máxima. É claro que o futuro pertence aos mais jovens e que eles terão que promover as mudanças sociais dos próximos anos. Mas sempre digo que, além de serem parte do futuro, os jovens também são cidadãos do presente e precisam se sentir parte da sociedade atual. Foi pensando em garantir o acesso à informação para crianças e adolescentes – um direito básico de qualquer cidadão – que fundei os jornais Joca e TINO Econômico, ambos voltados para essa faixa etária. Na minha opinião, quando os jovens não têm a oportunidade de se sentirem parte do mundo à sua volta, todos nós perdemos a chance de ter importantes agentes de mudança. 

Uma das provas mais marcantes da sociedade se transformando por meio dos mais jovens é o Mi Casa, Tu Casa • Minha Casa, Sua Casa, iniciativa do Joca lançada em 2021 em parceria com o ACNUR (agência da ONU para refugiados) e a associação Hands On Human Rights. O projeto tem como objetivo levar bibliotecas aos abrigos de refugiados e migrantes venezuelanos em Roraima e conta com uma particularidade: quem participou de todas as etapas do processo foi um grupo de adolescentes voluntários.

Desde o início, era muito claro para todos os envolvidos que o projeto faria uma enorme diferença na vida dos beneficiados. Mas tudo ficou ainda mais especial nas últimas semanas, quando o Mi Casa, Tu Casa foi escolhido como um dos cinco finalistas do Prêmio Jabuti, o mais importante de literatura do país, na categoria fomento à leitura. 

É inexplicável o sentimento de ver mais pessoas se interessando pelo projeto e que ele está sendo reconhecido ao redor do Brasil. Hoje, com mais de 37 mil livros arrecadados e após termos construído sete bibliotecas nos abrigos em Roraima, acredito que estamos fazendo com que essa estadia seja mais confortável para quem passa por lá – de crianças a idosos, já que arrecadamos livros para todas as idades. 

Para isso, é necessária uma ação contínua, pois as bibliotecas não são volantes, e, sim, fixas. O projeto tem um foco local em Roraima, com uma força profissional formada pela nossa equipe e voluntários, que promovem diariamente atividades como rodas de leitura e contação de histórias para incentivar o uso do espaço. A ideia é que esse seja um ambiente em que os moradores possam se sentir em casa, por terem acesso a livros em sua língua materna, ao mesmo tempo que se habituam ao país onde estão começando uma nova vida – através do contato com livros em português.  

Adolescentes com a mão na massa

A jovem Sofia Etlin, 20 anos, conta que se sensibilizou com a causa após ler sobre a realidade dos refugiados venezuelanos no Joca, tema que ela raramente via sendo abordado na mídia como um todo. “Acho que o mundo opera em ciclos de atenção para crises. A [guerra na] Ucrânia foi muito falada no começo do ano e agora ela continua, mas você não vê mais reportagem sobre o assunto”, diz. Para ela, um movimento semelhante aconteceu com os refugiados venezuelanos: “Eles perderam o foco das atenções e da mídia, mas o problema ainda existe. Essas pessoas não podem se sentir abandonadas pelo mundo”. 

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No caso da jovem, o que a fez ser voluntária foi poder ter acesso a informações sobre a vida dos refugiados para, assim, se imaginar no lugar deles. “Quando eu tinha 14 anos, larguei minha família e meus amigos e mudei de país para estudar. Obviamente eu estava em uma situação muito mais bem-estruturada [do que a dos refugiados que estão nos abrigos de Roraima], mas, mesmo assim me senti muito sozinha”, explica. “Se foi assim para mim, para eles esse sentimento é dez mil vezes mais forte”. 

Se sensibilizar com o assunto foi um disparador para Sofia, assim como outros jovens, colocar a mão na massa. Ela foi em busca de investidores que pudessem ceder fundos para a ação. No entanto, encontrou dificuldades ao longo do caminho por conta da falta de cobertura midiática em relação ao assunto: “As pessoas querem investir onde podem virar heróis, então o dinheiro segue a mídia. É muito difícil ter pessoas dispostas a investir em causas invisíveis”. 

Concordo com a Sofia. Se frequentemente o Norte e o Nordeste do Brasil já são vistos como um país à parte por muitas pessoas, no caso de Roraima é ainda mais fácil ignorar as questões que ocorrem por lá, uma vez que não são temas recorrentes nos noticiários. 

A adolescente Alma C., 15 anos, também foi voluntária do projeto. Leitora do Joca, Alma fez uma campanha na sua escola para doação de livros, que, de acordo com ela, foi a primeira grande mobilização do colégio nesse sentido. Ao todo, os alunos do colégio de Alma doaram mais de 1.300 exemplares ao Mi Casa, Tu Casa. Depois, ela organizou as doações e foi para Roraima ajudar a montar as bibliotecas. “Refugiados são uma realidade. É algo muito importante no mundo, então eu sabia que precisava ajudar”, diz. 

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Tomar consciência de que a vida de tantos jovens venezuelanos poderia mudar para melhor foi o que a fez querer agir. “Eu acho que é importante que cada vez mais pessoas saibam da realidade dos refugiados, porque assim elas podem ajudar de algum jeito. Eu, por exemplo, sabia que existiam campos de refugiados no Irã, mas só descobri depois que também tinha algo assim no Brasil”, conta. “Alguns jornais têm um vocabulário muito difícil para as crianças, isso acaba fazendo com que elas se afastem e dificulta que cada um faça sua parte”, completa.

Seus colegas João Pedro F., 14 anos, e Beatriz A., 15 anos, também participaram da arrecadação no colégio. “Junto com minhas amigas Alma e Bia, levamos o Mi Casa para nossa escola e conseguimos envolver toda escola, desde a arrecadação de livros até o desenvolvimento e decoração das cartinhas para serem enviadas para as crianças e jovens venezuelanos nos abrigos em Roraima”, explica João. Ele também envolveu seus vizinhos e familiares na busca por livros e ajudou a arrecadar fundos para o projeto através de uma rifa. “Finalmente, com todas as arrecadações, fui para Roraima no início deste ano para concretizar o nosso objetivo. Lá eu fiz de tudo um pouco: carreguei caixas, varri o chão, pintei as paredes, separei e arrumei os livros nas prateleiras. Também li com as crianças, brinquei com elas e fiz muitos amigos”, relata.

O impacto da mudança que a iniciativa visava para os venezuelanos foi o que incentivou Beatriz a participar. “Apesar de não ser um projeto de abrangência nacional, ele tem uma profundidade muito grande para quem realmente precisa. Eu pude estar lá e conhecer as crianças [dos abrigos] pelo nome, por exemplo, isso é algo incrível”, diz. “Aqui em casa a gente fala muito sobre os premiados do Jabuti, mas eu não sabia que tinha essa categoria de fomento à leitura. Por isso, fiquei feliz em ver o Mi Casa, Tu Casa, sendo reconhecido, assim como os outros projetos tão importantes que também estão entre os finalistas”.

Para a estudante, o incentivo à leitura vai muito além de informar as pessoas sobre os grandes acontecimentos do mundo: “O papel dos jornais, por exemplo, não é só informar sobre as guerras ou as ações dos presidentes. Às vezes são as pequenas coisas, do cotidiano, que nos motivam, como histórias de pessoas específicas que podem nos dar ideias legais para promover um impacto”.

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Um voto de esperança

Além dos adolescentes com quem conversei, centenas de outros se mobilizaram em prol da iniciativa. Faz parte da missão do Joca retratar realidades de crianças e jovens ao redor do mundo – principalmente quando elas vivem experiências tão distintas às dos leitores e estão geograficamente tão perto. Por isso, o tema dos refugiados (especialmente do país vizinho) é pauta frequente no jornal. Assim, fomos explicando ao nosso público a importância de oferecer apoio àqueles que passam pelos abrigos de Roraima.

A repercussão entre os jovens foi tanta que, das cerca de 300 escolas que assinavam o Joca na época, 80 se envolveram com o Mi Casa, Tu Casa. Essas ações incluíam a arrecadação de livros para serem doados para as bibliotecas que foram construídas, por exemplo. 

Ver o projeto ganhando visibilidade e em uma premiação tão importante é, para mim, uma forma de esperança de que jovens ao redor do mundo possam se inspirar nos voluntários do Mi Casa, Tu Casa para replicar a ação em outros lugares. Mais uma vez, tive a certeza de que os mais novos conseguem unir forças para serem agentes de mudança – basta que recebam as ferramentas necessárias para isso.

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