Quando é hora de terminar a relação
Separar-se é, com frequência, um ato de amor próprio. Uma aposta em si mesma e na vida
Eu escrevi uma vez que não nascemos um para o outro. Que eu era o berro, a guerra, o sangue. Ele, o silêncio, a fuga e o asseio. Em algum momento, nos tornamos uma sinfonia com seus movimentos ora rápidos, ora lentos. Dançamos um balé de descompassos e escrevemos um roteiro blasé de final inesperado. Nos amamos e nos odiamos com forças equânimes, como havia de ser. Gozamos juntos da vida e choramos também as dores de vivê-la. Fomos felizes tanto quanto podíamos ser.
Um relacionamento como o que eu tive com meu ex-parceiro não termina subitamente. São amontoados de situações que vão, pouco a pouco, sufocando o casal que existia ali. Quando, por sorte ou grande esforço, ainda resta uma amizade sólida, o fim tende a se arrastar porque se acredita que a qualquer instante a paixão pode reacender. Mas não é assim que, na maioria dos casos, acontece.
Aflora, em tempos de crise, um saudosismo ludibriado. Deseja-se voltar ao que se era antes, resgatar a energia do início da relação, recuperar a vontade insaciável por aquele outro ser humano. Mas, assim como todas as coisas, em um relacionamento amoroso também não se deve voltar para atrás. Primeiro porque não é possível. Segundo, porque significaria jogar fora tudo que se construiu ao longo dos anos. Não é preciso retomar. É preciso seguir e, por vezes, seguir é, sem eufemismos, sinônimo de separação.
Decidir pela separação foi tão natural quanto improvável. Havíamos finalmente nos acertado quanto à não-monogamia. Estávamos livres de uma reforma que durou meses. Conseguimos uma trégua no caos familiar. A gente acordava com música e dormia sorrindo. Vivíamos o scherzo que antecede o movimento final da nossa sinfonia.
Parecia, então, improvável. Mas a verdade é que a separação só foi possível por isso. Estávamos inteiros o suficiente para desagarrar dos medos que sustentavam a nossa relação. Conseguíamos olhar um para o outro com ternura e olhar para nós mesmos com o mesmo afeto. Separar-se é, com frequência, um ato de amor próprio. Uma aposta em si mesma e na vida. É, aí sim, reacender uma imensa vontade de ser e estar no mundo.
Nos separamos. E embora esteja contida nessa palavra a pausa, também há nela o amor em primeira pessoa do singular. Um amor intransitivo. Um amor como estado de espírito. E foi assim que me senti quando nos despedimos. É assim que me sinto um mês depois.
Nosso quarto movimento revelou tudo que nutrimos ao longo de 8 anos. Um grand finale à altura do amor e respeito que construímos a quatro mãos. Um fim que honra tudo que fomos e tudo que agora podemos ser.