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Por trás da moda

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Renata Brosina é jornalista, host de podcast e editora de moda com foco em luxo e sustentabilidade. Com 15 anos de carreira e alguns títulos internacionais no currículo, ela é curiosa, gosta de entrevistar e vestir pessoas, e analisar as transformações que vêm acontecendo no mercado.
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Nunca esqueça de Alessandro Michele

Responsável pela grande transformação na moda, Alessandro Michele deixa o cargo de diretor criativo da Gucci, mas também deixa um legado de respeito e amor

Por Renata Brosina
26 nov 2022, 08h03
Alessandro Michelle na 79ª edição do Festival de Veneza.
Alessandro Michelle na 79ª edição do Festival de Veneza.  (Mondadori Portfolio (Getty)/Reprodução)
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Lembro bem de quando o Alessandro Michele estreou como diretor criativo da Gucci. Apesar de ser desconhecido do grande público, o estilista já fazia parte da equipe de Frida Giannini, responsável pelas coleções da marca até a temporada de Pre-Fall 2015, que foi lançada em dezembro de 2014. A partir de janeiro do ano seguinte, o designer de acessórios da Gucci assumiu o cargo e apresentou suas ideias do que seria a nova imagem para o consumidor masculino. Logo de cara, sim, ninguém entendeu nada.

Michele causou estranhamento e um certo incômodo dos acostumados com o que acontecia na moda italiana. Isso porque, meses antes de toda mudança acontecer, já se falava sobre o cansaço relacionado ao que era desfilado na Semana de Moda de Milão – e tal crise fazia editores das revistas pularem a temporada, saindo de Londres e indo diretamente a Paris.

A verdade é que as grifes estavam envelhecendo e ficando para trás na forma como se comunicavam com uma nova geração de consumidores. Lembro do quanto labels como Fendi, Dolce & Gabbana e a própria Gucci eram criticadas por não trazerem o frescor e o desejo. Talvez a Prada se mantivesse ilesa, como sempre, das críticas. Mas a entrada de Michele mudou tudo.

Ele mexeu com o mercado local. O romano movimentou uma transformação que fez a moda italiana despertar e compreender que era possível, sim, levar a sua tradição artesanal para os netos das suas até então compradoras. A Gucci perdeu sua clientela fiel à Frida, que estava acostumada com suas peças cansadas, mas ganhou o status de desejo entre os jovens.

Na sua primeira temporada, Michele investiu em uma modernidade vintage romântica, com um olhar nerd, tanto para feminino quanto masculino. A imagem que foi apresentada ali não era explorada na época por outras marcas – e o gap foi ocupado rapidamente pela grife. O maximalismo foi introduzido com plissados, metalizados, suéteres bordados, laços e vestidos com estampas de corações.

Ao lado das roupas decoradas, a Gucci apresentou seus novos grandes hits, entre eles a mule Princetown, que trazia a estrutura com Horsebit do clássico mocassim da marca, e a bolsa Dionysus com o GG Canvas. Ao longo do tempo, e com a confiança desse fenômeno revolucionário que a Gucci se transformou, o estilista mergulhou no seu próprio universo, trazendo o que gostava e uma forma de comunicação única.

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Ele ama arte, mitologia grega e filosofia. E gosta muito também da cultura das ruas e da juventude. Para o Inverno 2015, ele trouxe Trouble Andrew, também conhecido como Gucci Ghost, para uma colaboração – algo pouco visto na época. O artista, músico e snowboarder canadense chamou a atenção do estilista por se vestir de “fantasma da Gucci” com lençóis cobertos pelo icônico GG. Na coleção, Andrew levou essa reprodução do monograma para bolsas, jaquetas e outros itens – que esgotaram rapidamente nas lojas.

Com o passar do tempo, Michele deixou de ser visto apenas como um estilista. A sua voz passou a ecoar grandes valores perdidos no mercado. A moda sempre foi responsável por marcar momentos históricos e reproduzir essas macrotendências na passarela. Mas Michele nos lembrou também que moda é uma linguagem. A moda é falante e, por meio dessa comunicação, é possível fazer transformações relevantes na sociedade.

Algo que ficou adormecido e perdido por décadas graças ao foco comercial e competitivo que determinou a sobrevivência dos principais players do mercado. Entretanto, Alessandro Michele estava focado em humanizar e trazer o amor para o centro das suas criações. Sua equipe e ele eram movidos absolutamente pela paixão por criar – por isso, a Gucci ficou conhecida também por ser a Maison de L’Amour.

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Os corações, que já apareciam nas suas primeiras criações, dominaram completamente as suas coleções – fazendo seu público lembrar que moda também é amor. Esse sentimento também abriu espaço para abordar questões que não eram evidenciadas no mercado. Uma delas era a forma como o estilista passou a deixar os limites de gênero fora das suas criações.

Ou seja, não se via mais vestidos apenas para mulheres. O masculino da sua passarela era sensível, romântico e feminino. Do lado oposto também. Era confuso e delicioso ver ele transitar elementos que, por séculos, delimitaram gêneros saindo da sua zona de conforto. E isso é genuíno de Michele. Ele é fiel a essa ideia de liberdade e de você vestir, expressar e ser o que quiser. E ser respeitado.

O respeito por ser diferente é o que também moveu o trabalho do estilista – e, com isso, a inclusão passou a ser outra bandeira fincada por Michele na moda, deixando evidente o quanto questões culturais, raciais e religiosas precisavam passar por uma mudança radical no mercado. Atentas a esse comportamento do estilista, outras marcas iniciaram suas transformações, seja na passarela ou na comunicação.

Esse radicalismo, segundo o próprio Michele, só existia porque era ele mesmo – e expressava o que acreditava em um sistema tão homogêneo. Como consequência disso, ele despertou no seu público novas maneiras de enxergar a moda e essa identificação fez a Gucci ser sinônimo de desejo, independente do que o estilista criasse. O estranho (que, muitas vezes, beirava o feio) não chamava a atenção por ter uma etiqueta de luxo, mas impulsionou mudanças nos próprios padrões estéticos. Mas, com tanto a agregar, qual foi o seu grande tropeço?

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O mercado de moda ainda vive da novidade, da polêmica e do burburinho. Ao longo dos últimos sete anos, o estilista foi fiel ao seu maximalismo, suas estampas, seus bordados e todas as temáticas que faziam parte dos seus interesses. Repetitivo? Sim, porque não podemos esperar efemeridade estética, que ele crie peças ultra decoradas em uma temporada e, na seguinte, seja minimalista.

Assim como uma marca tradicional tem seu DNA, um estilista também. Mas a diferença entre ele e a grife é que o responsável pela engrenagem funcionar é seu olhar, suas vontades e sua leitura sobre a sociedade. A marca é só o meio que ele utiliza para levar essas mensagens para frente. A Gucci faz parte de um conglomerado de luxo, o Kering, que busca metas a serem alcançadas, e hoje vive o estouro da marca-irmã Bottega Veneta, que tem outro novo revolucionário, Matthieu Blazy.

Mesmo Michele sendo extraordinário no que faz, a repetição da sua estética alcançou a exaustão pelo olhar do público preparado para julgar – e não entender que trata-se de um ser humano exercendo sua profissão guiado pelas suas crenças e pela fidelidade ao seu amor.

E isso não é exclusividade da Gucci. Muito em breve, Ghesquière, da Louis Vuitton, e Maria Grazia Chiuri, da Dior, também devem enfrentar essa dança das cadeiras, em busca de um frescor e suspiros. Mais de seis anos de casa significa zona de conforto, obsolescência e mais do mesmo para alguns. Para quem entende o movimento desses criativos, e sabem muito do que esses anos de dedicação à moda significa, é uma tristeza.

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É uma perda, mas uma bênção também. Michele nos salvou de um futuro incerto. Nos deu amor e fez sua história em uma grife que, antes dele, só teve tempos gloriosos na época de Tom Ford. Michele é um dos grandes que assumiu uma casa italiana sem um heritage tão celebrado – e escreveu capítulos importantíssimos e revolucionários. E espero que a gente não o perca de vista.

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