A nova simplicidade na alta-costura verão 2023
Em tempos de valorização da mulher real, os diretores criativos encontram inspirações e meios de levar o sonho para uma roupa de verdade
A alta-costura está mudada. E arrisco dizer que as principais transformações aconteceram após Virginie Viard ter assumido a direção criativa da Chanel, em 2019, depois do falecimento de Karl Lagerfeld. Ela, com seu olhar real para o que é a mulher contemporânea, buscou formas de renovar tweeds, bordados e outros códigos tradicionais da marca que andavam um pouco o fora da realidade. Naturalmente, o ritmo escolhido por ela refletiu no sistema como um todo.
A começar pela própria Chanel, que manteve os pés no chão e distante da obviedade. Com saltos baixos, tanto para botas quanto para sapatos, a sua garota surgiu com ousadia e leveza, a bordo de vestidos curtíssimos, casacos trapézio, saias plissadas e, claro, as versões alongadas com ar noturno — alguns com fenda, outros lânguidos ou volumosos.
A atmosfera traz uma essência jovial pela brincadeira feita com as roupas, cartolas e, ainda assim, a inspiração primária da sua temporada. O apartamento de Gabrielle Chanel, localizado na Rue Cambon número 31, já foi usado como ponto de partida para diversas coleções. Mas, desta vez, ela se uniu ao artista Xavier Veilhan para levar esculturas de animais, como cavalo, búfalo e elefante, de forma conceitual, para o cenário da apresentação.
Se a travessia por um circo levou a diversão para a ambientação da Chanel, Giorgio Armani trouxe do arlequim, personagem da Commedia dell’arte, um tom de irreverência para a Armani Privé. Claro, ao seu modo. O estilista italiano, conhecido por desafiar o sistema da couture parisiense na década de 1970 e apresentar sua ideia de elegância para o prêt-à-porter, mostrou que a sua ideia de fazer roupas para as mulheres reais se sentirem “as mais especiais, lindas e brilhantes”, na sua marca de alta-costura, pode alcançar novos patamares com maestria.
Mesmo dentro de uma temática que resgata a estética que poderia ser caricata, a cartela aguada em contraste com preto, brilhos, bordados, transparências e seus acetinados não se distanciam do seu público ultra-sofisticado. A proporção é exata em estilo e ocasião para os 77 looks, que evoluem tanto em visuais cobertos por padrões de losango, seja construído em patchwork ou superfícies com cristais, quanto nos monocromáticos com aplicação de flores, que remetem aos interiores rococó dos palácios venezianos.
Já nas mãos de Maria Grazia Chiuri, a Dior carrega um significado que transcende o luxo. Desde a sua estreia na maison, a diretora criativa cria diálogos que conectam o corpo como base da alta-costura, as roupas e as mulheres. Por isso, há bons nomes femininos presentes, seja na inspiração ou no trabalho que envolve a cenografia. De um lado, Joséphine Baker, cantora e dançarina afro americana que deixou os Estados Unidos na década de 1920 para viver em Paris. Do outro, a artista Mickalene Thomas, responsável por idealizar a composição de retratos gigantes de mulheres negras, como Nina Simone, Eartha Kitt e Naomi Sims, que preencheram as paredes laterais da passarela.
Na coleção, estruturas baseadas na silhueta dos anos 1920 dividem espaço com uniformes usados durante a guerra e versões de trajes de passeio encontrados em fotografias da cantora. Para Chiuri, há uma limpeza nos volumes, mas uma riqueza em elementos: franjas, lingerie e transparências em uma cartela que vai dos neutros aos metalizados. Os ícones da maison, como a jaqueta Bar, feita em 1947, estavam presentes em uma variação elegante, assim como os outros looks de alfaiataria, de corte limpo e impecável.
Se antes os vestidos-bolo-de-festa eram o grande denominador comum entre as coleções, hoje, cada diretor criativo utiliza da sua expertise para espremer o máximo do DNA da sua maison em uma roupa com essência de realidade. Vindo na sequência de uma temporada de prêt-à-porter masculina com foco na simplicidade e no atemporal, há um tanto desse caminho traçado pela couture. Pois bem, para o verão 2023, o ritmo foi exatamente esse. E o que não faltou foram os motivos para suspirar.