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@fabianesecches escreve sobre cinema, literatura e psicanálise.
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Uma conversa com Maria Esther Maciel

Escritora e pesquisadora compartilha conosco um pouco de seu processo criativo e suas referências literárias

Por Fabiane Secches
24 jul 2024, 16h00
entrevista Maria Esther Maciel
Uma conversa com Maria Esther Maciel (Colagem de Sumaya Fagury/Divulgação)
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Maria Esther Maciel é uma escritora, pesquisadora e professora de literatura nascida em Minas Gerais, em 1963. Autora de mais de duas dezenas de livros, agora é a vez da autora fazer sua primeira incursão no romance com Essa coisa viva, publicado recentemente pela editora Todavia.

“Quando completa um ano da morte de sua mãe, que vivia no interior de Minas Gerais, uma botânica de renome internacional resolve pôr os pingos nos ‘is’ de uma relação permanentemente marcada pela instabilidade, pela culpa e pelo rancor. Neste romance poderoso, a autora parte das ‘coisas’ — plantas, objetos, insetos — para reconstruir o passado da protagonista. A mãe, centro das rememorações, foi uma mulher a um só tempo vítima de seu tempo e algoz da própria filha. Uma mulher que alardeava a própria infelicidade e que parecia não desejar a satisfação alheia — especialmente da filha, por quem nutria uma obsessão feita de reproches, cobranças, destruição da autoestima e desejos obscuros”, essa é a descrição do livro apresentada pela editora, uma obra tecida por mãos habilidosas, com acúmulo de experiências e observação sensível da complexidade das relações de afeto.

Conversei com a autora sobre o romance, bem como sobre sua trajetória, seu processo criativo e suas referências literárias.

Essa coisa viva é considerado o seu livro de estreia como romancista, mas podemos notar a maturidade da escrita, a intimidade com as palavras, a sonoridade do texto. Você acredita que sua experiência como poeta e ensaísta contribuiu para a solidez desse primeiro romance?

Fico gratificada com suas palavras sobre o livro Essa coisa viva, que pode ser considerado a minha primeira narrativa longa, condizente com que chamamos de romance. Antes desse, publiquei O livro dos nomes, de 2008, que, pelo caráter experimental em termos de estrutura, poderia ser lido como um “romance desmontável”.

Em O livro de Zenóbia, de 2004, a prosa também predomina, mas bastante atravessada pela poesia e outras modalidades de escrita, como a lista. 

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Sem dúvida, minha experiência como poeta e ensaísta nunca deixou de incidir na minha prosa ficcional. Sempre fui afeita à mistura de gêneros textuais. Em Essa coisa viva, fiquei muito atenta ao ritmo das frases e, ao mesmo tempo, me vali de alguns recursos ensaísticos para discorrer sobre “as coisas” que compõem as histórias de vida das personagens. Além disso, adotei o formato de carta para construí-lo. 

Como a sua protagonista botânica, você também tem um interesse especial pelas plantas, que já ocuparam lugar de destaque em outras de suas obras, como no lindo Pequena enciclopédia de seres comuns (2022). Em uma entrevista, você contou que na infância, antes mesmo de se tornar uma leitora entusiasmada, você já tinha tomado gosto por contar histórias e que, naquela ocasião, você contava histórias para as frutas do quintal. Você nos contaria um pouco mais da importância das plantas em sua vida?

Sempre tive uma relação muito próxima com a natureza. Isso veio de minha infância e adolescência vividas no interior de Minas, pois, além de ter morado numa casa com um enorme quintal, cheio de árvores frutíferas e plantas diversas, eu costumava passar temporadas na zona rural, em meio a plantações e muitos animais.

O mundo verde me fascinava, levando-me a dar nomes às árvores que me acolhiam em seus galhos e a contar histórias para as frutas. Levei isso para alguns dos meus livros de poesia e ficção, incluindo o Essa coisa viva. Trata-se de um cenário do qual não consigo me desvencilhar.

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Não à toa, criei personagens biólogas, como Zenóbia, que transita entre a botânica e a zoologia, e Ana Luíza, que também se dedica ao estudo sobre a vida vegetal. Para não mencionar as listas e verbetes de ervas que compus em pelo menos quatro dos meus livros. 

Além das plantas, também os animais têm sido privilegiados em seu trabalho como escritora, pesquisadora e professora. Você já disse que se considera uma espécie de bióloga leiga e seu olhar para a representação dos animais na história da literatura rendeu obras preciosas como Literatura e animalidade (2016) e Animalidades (2023). Você se lembra do momento em que decidiu se dedicar a esse tema?

Antes de iniciar minha pesquisa sobre animais na literatura, esse tema já me instigava havia muito tempo. Sempre gostei de observar os bichos – principalmente os domésticos e rurais – e de ler sobre eles. Diferentes espécies companheiras povoaram minha história, desde os tempos de criança.

Mas foi a partir de 2007 que resolvi me dedicar mais efetivamente aos estudos da chamada “zooliteratura”. Comecei com alguns artigos avulsos sobre o tema, até que, em 2008, publiquei um livrinho intitulado O animal escrito – ponto de partida para outros trabalhos.

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Depois, organizei um número especial do Suplemento Literário de Minas Gerais, todo voltado para os animais na literatura e um livro mais alentado, que contou com a participação de estudiosos do Brasil e do exterior. Nesse momento, eu já estava totalmente aberta a reflexões extraídas de outras áreas do conhecimento, como filosofia, etologia e antropologia, e disposta a ampliar, cada vez mais, o repertório de obras de ficção e poesia centradas no enfoque dos animais não humanos e nossas relações com eles. Daí vieram os dois livros a que você se refere. 

Minha relação com os animais passa, sobretudo, pela ordem dos afetos e da empatia. Isso se alia a uma preocupação com as maneiras como os humanos têm lidado com eles ao longo dos tempos.

Na literatura, encontrei um universo “zoo” bastante multifacetado, com uma fauna riquíssima, flagrada sob diferentes ângulos. Interessam-me, sobretudo, as obras em que os bichos aparecem, não como metáforas ou símbolos, mas como sujeitos dotados de sentimentos, inteligência, habilidades e saberes próprios sobre o mundo. Viventes dignos de respeito e que têm muito o que nos ensinar sobre a vida.  

Essa coisa viva é um condensado de sentimentos ambivalentes. A narradora se dirige à mãe morta e examina de perto toda a ambiguidade daquela relação. Nesse sentido, a obra tem um elemento que a literatura contemporânea está explorando com mais complexidade. No lugar de histórias idealizadas de amor incondicional, uma nova vertente menos romântica se dedica a pensar, literariamente, nos muitos conflitos que podem permear essa relação de afeto e intimidade. Você tem lido outros livros interessantes nesse sentido? 

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Sim, a ambivalência é o que define a voz da narradora e seus sentimentos em relação à mãe que ela teve sem, contudo, nunca a ter tido de fato. Tudo é paradoxal na vida das duas. Ao escrever o romance, eu sabia que estava indo na contramão do que comumente se pensa sobre o chamado amor materno e o papel de uma mãe na vida de uma filha.

Eu procurei mostrar que existem mães e mães: não apenas as afetuosas e dedicadas, mas também as que se furtam a esse afeto ou o exercem de forma instável e paradoxal. O que a narradora Ana Luíza faz em sua carta à mãe Matilde é, ao mesmo tempo, um exercício de luto e um acerto de contas doloroso. Amor, raiva, culpa e ressentimento se misturam em suas palavras que nunca serão lidas pela destinatária.

Sem dúvida, os conflitos que atravessam a convivência entre mães e filhas têm sido abordados com mais contundência na literatura contemporânea. Numa das narrativas do livro Nós, mulheres, a escritora Rosa Montero conta uma história terrível (e verídica) sobre esse tema.

Elena Ferrante também enfocou as contradições do amor materno no romance Um amor incômodo. Ambos foram referências para mim. Assim como foi, por uma simetria inversa, a Carta ao pai, de Franz Kafka. A escritora/ativista Maya Angelou, em Mamãe & Eu & Mamãe, também descreve, em tom autobiográfico, sua intrincada e conturbada relação com a mãe. No que tange à literatura brasileira recente, eu poderia mencionar Nara Vidal que, no romance Eva, incursionou ficcionalmente nesse terreno espinhoso. 

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Encontrar espaço e liberdade para escrever ficção e poesia sendo também pesquisadora com uma vida acadêmica bastante ativa pode ser um grande desafio. Mesmo assim, você continua transitando entre esses discursos tão diferentes. Como é essa experiência pra você?

O ofício de professora/pesquisadora e o de escritora nunca foram, para mim, atividades excludentes. Eu as considero experiências distintas, mas afins, que podem se potencializar reciprocamente. Minhas investigações acadêmicas e atividades em sala de aula sempre foram importantes para o meu aprendizado/aprimoramento enquanto poeta e ficcionista, assim como as pesquisas que realizo não deixam de iluminar o meu trabalho criativo.

É claro que a carreira acadêmica inclui atividades burocráticas e outros afazeres que acabam por atrapalhar a minha concentração na escrita literária. Esse é, a meu ver, o maior desafio. Entretanto, busco manter, na medida do possível e com certo esforço, um espaço/tempo para a criação.

Costumo carregar na bolsa um caderninho de anotações e, nas horas vagas, registro ideias, experiências, descobertas, insights. Isso acontece, muitas vezes, em salas de espera, filas de banco, assentos de avião. Depois, quando resolvo me dedicar à escrita, me recolho no escritório e esqueço as outras tarefas por um tempo. Os desvios provisórios são importantes para que o processo criativo seja possível em meio às outras demandas. 

 

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