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Diário De Uma Quarentener

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Juliana Borges é escritora, pisciana, antipunitivista, fã de Beyoncé, Miles Davis, Nina Simone e Rolling Stones. Quer ser antropóloga um dia. É autora do livro “Encarceramento em massa”, da Coleção Feminismos Plurais.
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E precisamos todos envelhecer

A chegada dos 30 assustou, mas hoje a relação da escritora Juliana Borges com o passar dos anos está assentada. "Vou me conhecendo cada vez mais", diz

Por Juliana Borges
Atualizado em 14 out 2020, 19h13 - Publicado em 14 out 2020, 19h11
 (Tom Merton/Getty Images)
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São Paulo, 14 de outubro de 2020

Uma das minhas autoras contemporâneas favoritas, enfim, teve um primeiro livro traduzido ao português: Bernardine Evaristo, uma britânica, de ascendência nigeriana. Já te faço aqui uma breve propaganda: Bernardine Evaristo é incrível. Se você lê inglês, não espere e vá atrás de tudo o que ela escreve. Se não, se junte na pressão para que mais de seus livros sejam traduzidos e lançados por aqui. Seu texto, a cadência impressa, os formatos inovadores (como não colocar ponto final na maioria do texto) e até como começar ou terminar um parágrafo, tudo construído de um modo que nos mantém vidradas em cada página de seus escritos.

Em um trecho de Garota, Mulher, Outras, a personagem, perdida em suas memórias e pensamentos, afirma “(…) não há nada para se envergonhar nessa coisa de envelhecer, sobretudo quando toda a raça humana está junto nisso”. E eu comecei a pensar sobre o meu processo de envelhecimento, sobre como eu tenho encarado a maturidade da vida e o avançar dos anos.

Até os meus 30 anos, eu tinha um medo imenso de envelhecer. Se ainda tenho lá minhas resoluções a fazer sobre a morte; a relação com o envelhecimento está cada vez mais assentada. Enquanto eu chorava copiosamente porque faria 30 (há um bom tempo), uma amiga, já com seus 34, disse para eu relaxar porque eu entraria em uma das melhores fases da vida. Confesso que achei essa amiga demasiado positiva sobre a vida e que, de algum modo, mesmo ela sendo sempre muito sincera comigo, havia algum sentimento piedoso relacionado àquela jovem-mulher em prantos diante dela.

Mas a gente sempre queima a língua. E, quando resolvi abraçar a idade balzaquiana, a perspectiva diante do envelhecer foi sendo absorvida de outro modo. Primeiro, porque é impossível lutar contra isso. É coisa biológica, de parte da vida. Segundo, porque ao mudar o olhar diante desse processo pude não só aceitá-lo, mas também abraçá-lo.

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Me vejo cada vez mais parecida com minha mãe. E, na ausência física dela, esse é um bom jeito de tê-la comigo todo tempo. Não ando mais angustiada por não saber da última moda do momento. Aliás, essa nunca foi uma preocupação, mesmo em minha juventude. Mas as novidades também não são recebidas com ansiedade, mas como parte inerente da criatividade humana e que não necessariamente demandam a minha participação.

A personalidade se torna mais calma, menos preocupada com algumas superficialidades, menos interessada em alguns “objetivos” ou “metas” sem muita substância.  E vou me conhecendo nesse processo cada vez mais. Viver não é projetar o logo ali ou o logo mais. Viver é agora. Tudo junto e misturado.

Tenho envelhecido (e aqui, envelhecer está sendo lido como processo de só estar mais tempo fisicamente nesse mundo do que outros, que não cessam de chegar) com certa calma, convicta dos meus gostos pelo silêncio, por plantas, por gatos, por livros e até revistando o tricô.

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Cada vez mais me sinto pressionada e desobrigada a dar atenção a quem espera de mim uma superprodução incessante de conteúdo, nem que demanda respostas na mesma hora – nesse caso, eu sempre lembro com saudade do tempo da carta. Um dos meus amores vivia do outro lado do mundo e já chegamos a esperar mais de uma semana pela carta um do outro. Ah, existia o e-mail, mas eu esperava pacientemente pelo papel com o toque e a letra daquele amor. E ninguém morria por isso. Assim, tenho percebido meus próprios tempos, regados e cuidados como de quem faz parte de uma outra geração, a última que nasceu sem internet e sem celular, a penúltima que nasceu sem redes sociais e lá pretendo ficar.

Se falamos tanto em “diversidade” e se isso não é da boca pra fora, é bem importante respeitarmos o tempo do outro, o envelhecer do outro, o cansaço de algumas urgências tão juvenis e que eu adoro ver e acompanhar, mas não quero que assim esperem de mim. E tudo bem. O negócio é conviver nessas múltiplas formas de viver e ver o mundo, não é? Penso que sim. Axé.

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