#DespejoZero
Neste Dia Mundial do Habitat (5), Juliana Borges fala sobre a luta pelo direito à moradia e as condições dos brasileiros para ter um lar
São Paulo, 05 de outubro de 2020.
Desde 1986, a primeira segunda-feira de outubro levanta um importante debate sobre o direito à moradia como um direito humano. A data foi designada pela ONU e tem sido um importante ponto de reflexão, formulações e apresentação de agendas políticas para lidar com as desigualdades nas cidades no mundo todo. E por que esse é um debate tão importante?
Em primeiro lugar, porque nós moramos nas cidades, nos bairros e não na ideia de nação e de país, com barreiras geográficas convencionadas. É nos bairros e nas cidades que sentimos e vivemos a oferta ou a negação de direitos; que vivemos o bem-estar ou as precariedades impostas seja por um Estado que cumpra com os seus deveres, seja por um Estado que descumpre e viole sistematicamente nossos direitos e seus deveres.
No Brasil, mais de 80% da população vive nas cidades, nas áreas urbanas, sendo que 57% da população (208 milhões de pessoas) está concentrada em 6% das cidades (304 de 5.570 municípios). Portanto, pensar em como vivemos nas cidades é algo que deve envolver todos e todas.
Em geral, achamos que a luta por moradia diz respeito apenas às pessoas que “não tem casa” e temos uma visão um pouco deturpada sobre quem tem e quem não tem casa. Segundo a PNAD 2019, a maioria dos lares brasileiros, cerca de 66%, é próprio e quitado; cerca de 6% são próprios e ainda estão sendo pagos; e cerca de 0,2% representam cortiços, cômodos e outros arranjos de moradia. E, você pode pensar: mas é um número ínfimo a ser resolvido. E, ainda, “essa conta não está fechando, Juliana”. E não está. Restam aí, cerca de 18% de famílias que vivem em imóveis alugados e cerca de 9% em imóveis cedidos. Então, estamos falando de um contingente considerável de pessoas sem teto no país. Porque “sem teto” não é apenas aquela pessoa ocupando um terreno e que, na maioria das vezes, sofre estigmas e estereótipos na sociedade. Sem teto é toda a pessoa que não tem moradia própria. A diferença é que alguns resolveram organizar luta por um direito constitucional, ao passo que outros vão se virando como podem, apertando as contas e, alguns outros, acham que esse debate não é sobre eles.
Contudo, quando estamos falando de um dia de discussão sobre as cidades e a moradia como um direito humano, precisamos parar para pensar porquê ainda é tão difícil conseguir esse direito. Dizia o ditado “quem casa, quer casa” e que poderíamos adaptar, para um olhar mais contemporâneo, que “quem vive, quer casa”, porque abrigo e moradia são questões básicas para que consigamos alcançar nossa dignidade.
Uma série de questões precisam ser observadas e demandadas por todos nós sobre a situação da habitação aos nossos governantes, como as políticas e investimentos necessários, muitos paralisados, nessa área tão fundamental ao direito humano; bem como da garantia do acompanhamento e atuação de movimentos e organizações da sociedade civil sobre os programas sendo, ou não, executados. Além disso, precisamos cobrar as situações absurdas que milhares de famílias estão enfrentando ao serem despejadas ou vivendo em constante medo da iminência de um despejo, em plena pandemia. Segundo organizações da sociedade civil, como o Instituto Pólis, 80.000 brasileiros estão sob ameaça de despejo, um contingente maior do que o de mais de 5.161 cidades no país. Muitas dessas organizações apresentaram denúncias à ONU pelo despejo de mais de 6.000 famílias durante a pandemia, acarretando em uma série de problemáticas e exposições a essas pessoas.
Uma pessoa ter um teto para se abrigar, com condições dignas, diz respeito a todos nós porque diz muito sobre o que somos. A data é um marco importante, mas para iniciar um debate que não pode ser interrompido no dia 06 de outubro. O Dia Mundial do Habitat é um ponto de ápice de reflexão de questões que devem nos balizar cotidianamente, já que moradia é um direito.