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Diário De Uma Quarentener

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Juliana Borges é escritora, pisciana, antipunitivista, fã de Beyoncé, Miles Davis, Nina Simone e Rolling Stones. Quer ser antropóloga um dia. É autora do livro “Encarceramento em massa”, da Coleção Feminismos Plurais.
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Das estátuas ao “E o vento levou”: o que mais levaremos dos racistas?

Para a escritora Juliana Borges, a preservação da memória contextualizada é uma ferramenta didática para mostra a periculosidade do racismo

Por Juliana Borges
Atualizado em 24 jun 2020, 18h00 - Publicado em 24 jun 2020, 17h55
 (Reprodução/CLAUDIA)
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São Paulo, 24 de junho de 2020

Nas últimas semanas, muitos foram as discussões em torno de duas polêmicas ações: a primeira, sobre a derrubada e retirada de estátuas celebrativas de notórios colonizadores e genocidas; a segunda sobre a decisão da HBO de retirar de seu catálogo o filme E o vento levou. Das várias discussões, pontos de vista, eu penso na repetição do argumento, até irritante, de que não podemos apagar a história.

De certo, eu não sou uma pessoa afeita a apagamentos históricos. Inclusive, porque reivindico que a história de contribuição protagonista da população africana escravizada nesse país seja visibilizada. Não acho que resolveremos esse conflito permanente, essa ferida exposta e putrificada, com uma estátua ao chão, com um filme fora de catálogo, com um band-Aid. Mas é inegável que não se pode deixar as coisas como estão.

Há uma frase viralizada nas redes de que é bom que pessoas negras queiram apenas justiça e igualdade e não vingança. Porque é justamente disso que se trata. Monumentos em praças públicas são celebrações, inclusive se não estão contextualizados. A obra clássica de Victor Fleming não conta apenas a história de amor conflituoso de Scarlet O’Hara e Rhett Butler, mas a história de celebração do sul confederado norte-americano, defendendo seus princípios, sobre uma Guerra Civil que tinha como um dos seus principais motes a permanência da escravização de pessoas afro-americanas. Negros e negras são caracterizados na saga de Tara de modo caricato e estereotipado, com imagens de controle de fundo ideológico, de manutenção de uma hierarquia exploratória. Para terem ideia, Hattie McDaniel, primeira atriz negra a ganhar um Oscar, não pode acompanhar a cerimônia de entrega do prêmio ao lado de seus companheiros de elenco por ser uma mulher negra e haver segregação racial. A saga de Scarlet O’Hara não precisa ser apagada, mas precisa ser contextualizada – e assim o fará a HBO, ao reincluir o título em seu catálogo com a introdução contextualizada do período histórico e do que a narrativa representa. E diversas obras cinematográficas e literárias deveriam passar por esses processos.

Essa é uma discussão importante para pensarmos sobre a polêmica sempre presente em torno das obras de Monteiro Lobato, por exemplo. Nunca fui uma defensora da proibição das obras em salas de aula. Mas que elas sejam discutidas com a devida contextualização histórica, política e social. Não com a superficial afirmação de que Monteiro Lobato seria um escritor do seu tempo, porque narrativas contra-hegemônicas sempre existiram. Escolhas sempre foram possíveis, já que poderíamos logo lançar mão do fato de que em 1859, já tínhamos lançado o primeiro romance escrito por uma mulher negra, Maria Firmino dos Reis. Úrsula é também considerado o primeiro romance abolicionista brasileiro. Mas importante que essas literaturas sejam debatidas à luz da riqueza de formulações e discussões do período e suas consequências na atualidade. Assim também o penso sobre minha área, Antropologia, uma ciência que, em seu início, analisava e produzia sobre diferentes sociedades com pesquisas financiadas pelo ideal neocolonial. Ainda assim, já no período de surgimento e consolidação da pesquisa antropológica, muitas foram as formulações, divergências teóricas e construções até que aqui chegássemos.

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No caso das estátuas, o mesmo debate precisa ser feito. Há um simbolismo importante quando celebrações de pessoas que fizeram nome na violência, no genocídio e etnocídio são questionadas. O ato de derrubar uma estátua está baseado em uma forma de demonstrar que essas questões não serão mais toleradas, que o discurso de que “eram homens de sua época” precisam ser contextualizados, que precisa existir o debate, que há uma história contada não dos vencedores, como são romantizadas, mas do que rapinaram, roubaram, invadiram, estupraram e assassinaram. E que há uma história de resistência apagada com isso. A romantização dessas histórias, a tentativa de lhes impor olhar épico e heroico é que está sendo questionada, e precisa ser. Com isso, estou defendendo que essas personagens sejam apagadas da história? Não. Mas essas personagens, em vez de celebradas em monumentos, podem estar contextualizadas em museus, por exemplo. Em que as complexidades de suas histórias sejam contadas, mas que também a complexidade da luta travada seja exposta, que os supostos vencidos, que na verdade foram dizimados, tenham suas vozes restauradas e suas perspectivas expostas, ampliadas e ao alcance de todos. É disso que se trata a discussão colocada. De derrubarmos a história única e reerguermos uma história múltipla, com diversas perspectivas, com suas consequências complexas e ações violentas que nos impactam ainda hoje.

A ignorância sobre a história abre flancos e caminhos tortuosos para que autoritarismos se ampliem. A memória precisa ser um espaço não apenas de preservação estanque, mas também atualizado diante das dinâmicas sociais. Memória é chave de conhecimentos e consciências. E precisamos lidar com todos os lados dessa história.

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