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Coluna da Alexandra Loras

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Alexandra Baldeh Loras é mestrada em Gestão de Mídia pela Sciences Po, influenciadora e palestrante em raça, gênero e diversidade
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O trabalho doméstico e a perpetuação da escravidão

Um ciclo difícil de ser quebrado: muitas são herdeiras de empregadas domésticas e têm dificuldades em obter uma formação com melhores condições de trabalho

Por Alexandra Loras Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
23 fev 2017, 09h59

Há cerca de um ano, uma imagem bastante emblemática que circulou nas redes sociais me fez refletir sobre a importância de se discutir as relações sociais no Brasil. Na foto, que você deve ter visto por aí, uma babá negra, vestida com uniforme branco, empurra o carrinho dos filhos de um casal branco vestido de verde e amarelo, que caminha à sua frente com um cachorrinho.

É claro que não há nada de vergonhoso no trabalho doméstico em si, muitas mulheres ganham assim a sua vida dignamente. Porém é inegável que no Brasil a situação do emprego doméstico ainda arrasta uma relação que atualiza e perpetua o passado escravagista. A mesma imagem seria impensável na França. Lá, assim como nos Estados Unidos, contratar uma babá é um serviço caro, prestado por pessoas qualificadas, muitas vezes com diploma universitário.

Lá, uma babá custa por volta de R$ 7 mil, por isso é muito raro que uma família tenha uma babá fixa. Inclusive é comum que duas a quatro famílias dividam uma mesma babá a fim de repartir os custos, a chamada la garde partagée.

No Brasil, uma empregada doméstica muitas vezes trabalha por um salário mínimo, deixando seus filhos sozinhos após a escola para cuidar dos filhos dos patrões. Até 1972 não havia nenhuma lei que as protegesse e apenas em 2013 elas passaram a ter os mesmos direitos trabalhistas já existentes no país. Porém a lei não se aplica ao grande número de diaristas, ainda sem direitos.

O trabalho doméstico é geralmente ocupado por mulheres negras, que representam 52,6% das domésticas na região metropolitana de São Paulo, segundo dados do Dieese. Essa porcentagem é bem maior do que a de mulheres negras no mercado de trabalho em geral, 38%. Uma herança da escravidão, já que ao serem libertadas, elas permaneceram nas “casas grandes” como cozinheiras, faxineiras, lavadeiras e babás.

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Esse é um ciclo difícil de ser quebrado. Muitas mulheres são filhas e netas de empregadas domésticas com baixa escolaridade e encontram diversas barreiras na tentativa de obter uma formação que lhes permita melhores condições de trabalho.

A mídia colabora retratando as negras sempre como as empregadas, dificultando que elas se enxerguem em outros papéis na sociedade. Por isso devemos questionar a afirmação comum de que “ela é livre para pedir demissão a hora que quiser, caso esteja insatisfeita”. Será que elas são realmente livres? Ou continuam apenas sendo escravizadas de uma maneira moderna?

O filme Que Horas Ela Volta, escrito e dirigido por Anna Muylaert elevou esse debate de forma muito interessante. Assistindo ao filme, me vi nos três papéis, pelos quais passei em diferentes fases da minha vida.

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Pude me enxergar na babá, porque fui babá na Inglaterra, na Alemanha e nos Estados Unidos; na jovem em ascensão social, porque passei por essa trajetória ao ingressar na Sciences Po, um das mais respeitadas universidade de ciências políticas do mundo; e também no papel da patroa, que ocupei como consulesa, administrando uma casa com três empregadas domésticas.

Posso dizer que sim, é muito confortável contar com essa ajuda, mas é preciso dar dignidade econômica a essas mulheres e, sobretudo, não enxergá-las com inferioridade. Conheço pessoas que dizem, por exemplo, que “eu deixo a minha empregada comer a mesma coisa que eu da geladeira”, sem sequer se dar conta do quão chocante é essa frase.

É um problema complexo e de difícil solução, mas o que nós podemos fazer para mudar esta realidade? Acredito que enxergar que esse conforto é parte de um sistema que perpetua um tipo de escravidão moderna é um importante primeiro passo.

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