Brasil
"Olho para nossa sociedade política e vejo essa mesma cafonice", diz a colunista Kika Gama Lobo
Passei o 7 de setembro vendo a obra de Debret nos livros que tenho na minha sala. Me formei em História. Sou louca pelo passado. Mas tenho tido calafrios com o presente. Não vivo mais pilhada, ligada, na esperança de compreender os dias atuais. Tô caidona. Afinal zoneou geral. A pintura do francês fala por si só.
Senhores gordos e senhoras balofas, todos donos de si e de um novo poder atribuído ao império, demonizam escravos numa luta de classes vigorante até os dias de hoje. Mucamas bem vestidas ao jeitão português andam, sempre atrás de suas senhoras, aliás donas, quase sempre descalças, carregando as posses de seus senhorios. Joias, comidas, salmos, quinquilharias… numa alusão ao poder e glória terrena e divina daquela família. Tudo tão jeca. Tudo tão cafona. 2021.
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Olho para nossa sociedade política e vejo essa mesma cafonice. Gente esquisita. Pensamentos tacanhos. Passos atrás. E não vejo quase questionamento da sociedade. Converso com pessoas em metrôs, filas de banco (sim ainda frequento agências), padarias e tão nem aí. A pandemia jogou esse pessoal no mais baixo limbo da sobrevivência. O negócio é receber o INSS, comprar o pãozinho e conseguir pegar um transporte. Política? Não, obrigada.
Só mesmo a classe média e a elite comprometida com o atual governo estão – em massa – indo para as ruas adular o mito. O que eu vi ontem foi uma micareta verde-amarela. E ainda me falam que “eles” somos nós, o povo brasileiro. Devo ser feita de outra matéria. Sou aquilo não. E olha que nas minhas veias não tem nenhum sangue gringo. Sou 100% daqui.
E nessa mudez cívica a galera lá de cima faz a festa. Já soube até vão cancelar alguns conteúdos de internet transformando influenciadores de diversas áreas nos novos “demônios da pátria”. A cultura desmontada, a Amazônia violentada; o vírus por toda parte. E assim, como espectadora do caos eu volto às imagens de Debret.
E fico olhando os cadernos de viagem com os escravos nus, esfarrapados ou maltrapilhamente adornados e me dá um banzo… Isso que nem nem citei os indígenas, verdadeiros donos dessa terra, dizimados na origem. E numa coincidência macabra vejo na mesma mesinha da minha sala o livro do Krenak: “Ideias para adiar o fim do mundo. Ai! que pressentimento estranho. Melhor pegar um café.