Treinada para sonhar
Ailton Krenak fala de aprender a ouvir, a amar, a extasiar, e da convivência com outros seres – a maior parte deles invisíveis
Você é uma sonhadora profissional? Acumula desejos, não brinca? Ouvindo agora um podcast com o líder ambientalista e indígena Ailton Krenak, sobre quem escreverei um perfil, me sinto uma novata. Ailton não sonha com coisas. Sonha acordado. É impressionante como não sabemos quase nada da percepção do maravilhamento da vida. Vemos a terra, mas não a enxergamos. Cegamos para rios, sol e chuva.
Não é papo de maconheiro. Não tomei o Daime. Estou aqui sentada no meu trabalho, na hora do café, escrevendo para vocês essa coluna. Minhas unhas estão pintadas de vermelho, tomo Ristreto forte na minha caneca. Estou entalada numa calça jeans apertada. Computador e iPhone ouvindo mil podcasts com o Ailton. Me sinto uma idiotia. O cara fala coisas lindas. Tão banais, tão simples, mas que vêm repletas de ensinamentos primordiais. Fala de aprender a ouvir, a amar, a extasiar. Fala da convivência com outros seres – a maior parte deles invisíveis.
Fala da capacidade de encontrar a cura nas florestas. Fala do vento. E eu aqui, neste ar condicionado, presa nesta volta ao presencial depois de quase três anos achando que tinha me tornado alguém melhor. Preciso pagar minha fatura do cartão de crédito. Penso na lata de sardinha na volta para casa no transporte público, o BRT. Me sinto um lixo, penso em tirar a roupa e sair correndo pela Esplanada do meu trabalho. Vocês já pensaram em tirar a roupa e “dar um rolé”? Deve ser uma delícia. Como mergulhar sem biquínis. Como submergir numa banheira morna.
Aprender a cultivar sonhos. Traz nutrição para o cotidiano. E olha que não tenho 20 anos. Tô batendo os 60 e repeti várias vezes essa lição. Já o Krenak…. É uma espécie de mestre sem saber que meu modo de vida é oposto ao dele. Persigo o sucesso. Ele já é o sucesso. Aliás, o que é sucesso? Paniquei de repente. Me deu um suadouro. Estou sem chão e acho isso ruim. Se fosse ele ia amar ser tragado pela terra, uma boca imensa que o engolisse, numa areia movediça para dentro. E eu só penso em escapulir. Correr. Fugir. Preciso sonhar. Você já aprendeu?