Vivien Leigh: 55 anos depois, um novo olhar sobre seu legado
Com o tema de saúde mental tão em voga, é inacreditável que a biografia da atriz ainda não tenha chegado às telas
Vivien Leigh reunia alguns atributos que raramente vêm juntos: beleza estonteante e um talento inegável, fosse nos palcos ou nas telas igualmente. Portanto, era lendária ainda em vida, deixando pelo menos duas atuações icônicas eternizadas em filme (Scarlett O’ Hara de E O Vento Levou e Blanche Dubois, de Um Bonde Chamado Desejo), enquanto na vida pessoal lidava com uma doença psiquiátrica ainda desconhecida em seu tempo, a bipolaridade. Escrevi sobre sua triste trajetória há alguns anos aqui em CLAUDIA, e, como fã, sempre volto à sua memória. No dia 8 de julho de 2022, completam 55 anos de sua morte e ela ainda é um mistério.
Chamada em seu obituário como “a maior beleza de seu tempo”, “a estrela do teatro e cinema” e “uma das maiores atrizes do século 20”, os adjetivos variaram pouco, assim como nos deixou sob a sombra do papel que a fez uma estrela internacional no filme E O Vento Levou. Foi por ele que Vivien recebeu o primeiro de seus dois Oscar como Melhor Atriz, mas nem a fama trouxe conforto. Ela morreu em casa, aos 53 anos, sozinha. Curiosamente em tempos de tantas cinebiografias, essa, que aborda saúde mental em sua essência, jamais saiu do papel. O projeto Vivling, da atriz Natalie Dormer (de Game of Thrones), está “em desenvolvimento” desde 2018.
Frágil, mignon e com uma beleza inigualável, Vivien sempre quis ser atriz e desafiou a sociedade conservadora para realizar seu sonho. Como típica moça de família rica da época, foi educada para se casar e ser mãe, e ela fez o que esperavam dela. O primeiro casamento, aos 19 anos, com o advogado Herbert Leigh Holman, gerou sua única filha, Suzanne. O marido “permitiu” que ela estudasse atuação na Royal Academy of Dramatic Art apenas porque achava que seria um hobby. Ela estreou profissionalmente no teatro em 1935 e em um ano já era a sensação dos palcos londrinos. Nada de hobby, Vivien Leigh (ela adotou o nome do marido como sua persona artística) era uma estrela.
Sem surpresa, por ter se casado tão cedo, a vida pessoal de Vivien ainda sofreria reviravoltas. A paixão pelo ator Laurence Olivier levou ao divórcio de seus respectivos (um escândalo na época), mas criaram uma marca tão forte – Os Oliviers – que, anos depois, quando se separaram, ainda assim não se falava de um sem lembrar do outro. Apenas Elizabeth Taylor e Richard Burton chegaram perto do mesmo prestígio e fenômeno.
Vivien tinha apenas 26 anos quando estrelou E O Vento Levou, mas mesmo famosa seguia apenas seu coração, e ele pertencia cegamente a Laurence Olivier e o Teatro. Com ele, estrelou várias peças e filmes, enquanto nos bastidores a verdadeira tragédia estava se desenhando. Seus “surtos” e “crises”, onde gritava com as pessoas histericamente e depois não lembrava de mais nada, foram identificados como uma espécie de “histeria” e, depois, como “maníaco depressão”. Hoje acredita-se que era bipolaridade. O processo acelerou quando Vivien tinha apenas 31 anos, depois de sofrer um aborto e entrar em profunda depressão. A essa altura, o relacionamento com Laurence Olivier também sofria com o ciúme e inveja que ele tinha do sucesso da esposa, tanto que passou a tratá-la de forma passiva agressiva, desfazendo de seus sucessos e desafiando Vivien a superá-lo nos palcos, onde ele tinha a vantagem.
As crises ganharam frequência e violência e o único tratamento disponível era o de eletrochoque, que a traumatizou ainda mais. Sua atuação em Um Bonde Chamado Desejo foi para muitos ‘Vivien sendo ela mesma, não Blanche DuBois’. Ela mesmo alimentou a lenda, afirmando que “interpretá-la me levou à loucura,” em uma entrevista. Isso é injusto porque o impacto da falta de conhecimento de saúde mental nos faz olhar para toda trajetória da atriz com outros olhos, especialmente 55 anos depois de sua morte.
O sofrimento que passou por falta de informação e alternativa médicas contribuíram para que sua carreira fosse prejudicada e não tivesse empatia. Enquanto Laurence foi descrito como “sofredor”, ela ficou como “louca”. Sua condição psicológica passou a ser usada contra ela, tanto para diminuir seu talento (como dizer que Blanche não demandou esforço artístico) quando, na verdade, suas atuações brilhantes eram ainda mais significativas e vitoriosas diante do seu quadro.
Em 1967, Vivien estava ensaindo para estrear a peça A Delicate Balance, em Londres, quando teria aparentemente passado mal e caído na cama, em seu quarto, à noite, quando estava sozinha. A causa da morte, parada cardíaca, teria sido em consequência da tuberculose que a afligia há anos. Um dos obituários da época a descreveu como uma atriz “de considerável habilidade e coragem”, antecipando acertadamente que seu rosto jamais seria esquecido. Tirando a parte do “considerável”, que era na verdade “gigantesca”, a menção de coragem foi o mais acertado.
Talentosa, linda e corajosa, talvez seja mesmo a melhor forma para descrever a lenda que foi Vivien Leigh. Em tempo, tanto E o Vento Levou como Um Bonde Chamado Desejo (nos cinemas ficou como Uma Rua Chamada Pecado) estão disponíveis na HBO Max. Já meu filme preferido da atriz, A Ponte de Waterloo, está no Looke. Recomendo!