“The Idol” repete a exploração feminina de Hollywood
Série estrelada por Lily-Rose Depp parece se inspirar em Britney Spears, mas repete clichês sobre os perigos da fama
Ando meio rabugenta com algumas coisas, eu confesso. Há séculos sabemos como Hollywood abusa psicologicamente e sexualmente de suas estrelas, seja na música ou no cinema. A objetificação feminina foi engolida por nós por décadas, sem voz ou plataforma para dar um basta. A importância do movimento #MeToo veio para mudar e avançar a discussão, tirando a máscara de alguns conteúdos apresentados como ousados quando na verdade repetem os abusos.
Filmes como Blonde e Babilônia, ambos retratando ‘símbolos sexuais” como Marilyn Monroe e Clara Bow com atuações estupendas de Ana de Armas e Margot Robbie, me incomodaram porque, paradoxalmente, as fez reviver nas telas justamente o que as obras expõem. Não é o ovo e a galinha?
Algo parecido está acontecendo com The Idol, a série que vai fazer de Lily-Rose Depp uma estrela. No primeiro episódio, decepcionou os que esperavam cenas ‘chocantes’ e ‘ousadas’, ou sequências de sexo e nudez. É verdade que a atriz que praticamente não esteve com nenhuma roupa em nenhum momento, mas fica a questão, precisava?
Criada por Sam Levinson, o autor da premiada Euphoria, The Idol vem envolvido por dramas e reclamações de bastidores e, agora, dos críticos. A diretora Amy Seimetz saiu antes de terminar o trabalho porque estaria dando uma visão “excessivamente feminina” para a série (se estava, os homens editaram porque não parece).
A trama não é exatamente novidade: a estrela Jocelyn (Lily-Rose Depp), claramente inspirada em Britney Spears, está em um momento pós crise pessoal. É a maior estrela pop do momento, mas teve uma crise nervosa após algo que aconteceu com sua mãe e está ensaiando um retorno. O problema é que está cercada por uma equipe que a ‘protege’ das verdades e que nunca diz ‘não’, assim a isola da realidade e da conexão com as pessoas. Jocelyn é uma pessoa sexual e frágil, busca preencher seu vazio existencial com drogas, bebidas e festas.
Em uma de suas ‘escapadas’ na noite de Los Angeles cai no colo de um dono de uma boate, Tedros (The Weeknd), que imediatamente estabelece uma influência sobre ela – criativa, sexual e amorosa – sendo uma figura sombria e claramente oportunista. Pelo teaser do que vem a seguir, ele vai tomar o comando da vida e da carreira de Jocelyn, mas ao mesmo tempo a expondo a um mundo ainda mais perigoso do que ela possa antecipar. Como falei, é uma história contada mil vezes, seja com humor (Be Cool: O Outro Nome do Jogo é uma pérola) ou com drama (The Rose, Nasce uma Estrela, Daisy Jones and The Six, etc). Aqui tenta ser soturna.
Assim como aconteceu com Ana de Armas em Blonde, que para explicitar a crítica da exploração de um ídolo soma sequências em que a atriz alterna lágrimas, sussurros e sexo em constante crise mental, Lily-Rose passa pelo mesmo problema com Jocelyn.
Achei preocupante a cena de abertura trazer uma longa sequência com o consultor de intimidade, profissional sempre presente nos sets de filmagem para proteger as mulheres, sendo ridicularizado e literalmente trancado em um banheiro, como se estivesse atrapalhando o processo criativo.
Os machos tóxicos tacham os críticos de puritanos, sem reconhecer o que estão fazendo. Juro que não sou puritana, mas me ofendo quando os homens seguem surdos e cegos para o problema. No caso de The Idol, para piorar, isso tudo é embalado com um diálogo feito para chocar no qual uma mulher diz que “ter problemas de saúde mental é sexy”. Oi? A tese é que a fragilidade e a instabilidade de ídolos os tornam mais humanos para os fãs. É também uma simplificação perigosa e desrespeitosa.
Em resumo, The Idol é mais um conto sobre um universo machista e opressor que explora a alma de uma mulher em crise. Já vimos isso mil vezes antes, queria, pelo menos uma vez, ter outra narrativa. Superando esses problemas, é um veículo que destaca todo talento de Lily-Rose Depp, que vale conferir.