Uma despedida de Dona Hermínia, pensando em mães fortes no cinema
De alguma forma, Aurora Greenway, de Laços de Ternura, abriu caminho para a mãe mais famosa do cinema nacional, mas sem as risadas que tanto nos ajudaram
Estava pensando sobre a coluna dessa semana quando a Covid-19 nos privou do talento de Paulo Gustavo, depois de mais de 50 dias de luta no hospital contra um vírus implacável. A intenção era evitar falar da óbvia ligação de mãe no cinema, mas sem Dona Hermínia e com o coração doendo, não pude evitar o tema.
Primeiro, sempre me ocorreu que a minha mãe não é uma peça, nem um filme. Linda, amorosa e disciplinadora, ela é uma das minhas melhores amigas e nunca a vi representada nas telas. De certa forma, sempre achei curioso que na ficção as mães mais conhecidas tenham sido as intensas, complicadas e destemperadas.
Com a estabilidade como exemplo, observei distante todos os dramas sem me identificar com eles. Talvez Diane Keaton tenha chegado perto de representar a minha mãe, mas ela não é a primeira que me vem à mente quando se pensa em maternidade no cinema.
A mais marcante mãe em um filme, para mim, é representada por Shirley MacLaine em mais de uma produção. Em 1977 ela estrelou um dos meus favoritos, Momento de Decisão, onde era uma mãe ex-bailarina de temperamento forte e relação conflituosa com sua filha mais velha. Foi indicada ao Oscar, mas perdeu.
Em 1983, ela deu vida à outra mãe de temperamento forte e relação conflituosa com a filha, Aurora Greenway, em Laços de Ternura, e dessa vez não houve como tirar dela a estatueta. “Eu mereço”, ela disse no discurso de agradecimento. Era verdade.
A sequência de Laços de Ternura, que ficou clássica, mostra Shirley MacLaine perdendo o controle no hospital, pedindo às enfermeiras que aliviassem a dor de sua filha (Debra Winger). Qualquer um que teve algum parente internado em quadro grave pode se identificar com o desespero e desafia qualquer coração. É uma entrega absoluta de uma grande atriz em um maravilhoso papel.
Aurora Greenway tem muito de Dona Hermínia, porém sem risadas. Consigo imaginar Dona Hermínia fazendo ainda mais escândalo para proteger sua prole, mas nos faria rir. E rir, mesmo em momentos de dor, é uma resistência necessária contra o absurdo. Estava aí um dos segredos de Paulo Gustavo e sua personagem mais famosa. A empatia que tínhamos por ela foi por mérito e talento dele, que sabia comunicar sem palavras o que movia a personagem. Alguém, aliás, lembrava que Dona Hermínia era Paulo Gustavo? Eu não!
Agradeço ter a possibilidade de rever no Telecine os três filmes Minha Mãe É uma Peça, assim como Diane Keaton em Minha mãe Quer Que eu Case (outra mãe estilo Dona Hermínia). Laços de Ternura é um pouco mais difícil, mas no Now pode ser alugado também. Quem ousar, prepare os lenços. E que o Dia das Mães em 2021 seja com mais esperança para todas.