Glenda Jackson: um ícone do engajamento político e do cinema
A atriz que faleceu aos 87, tinha nada menos do que 2 Oscars, 2 Emmys e fez uma carreira de 25 anos no Parlamento Inglês
“Uma das coisas que achei mais curiosa – já que não somos iguais em nada no que diz respeito às mulheres no mundo – é que os dramaturgos contemporâneos ainda não nos acham interessantes. Pouquíssimos dramaturgos contemporâneos colocam a mulher como tema central. E eu acho bizarro. Eu tenho falado sobre isso por muito tempo, mas ninguém liga para isso.”
As palavras de Glenda Jackson em uma entrevista feita há pouco menos de três anos, para o The Guardian, mostram que mesmo depois de mais de 50 anos, ela seguia engajada e honesta sobre a falta de equidade artística ou salarial nas artes em geral.
E essa era a marca registrada de Glenda, uma atriz que para os atores era sinônimo de grandeza, que não comprometia sua arte, que era ousada e não se importava com a fama.
Para entender a ousadia de desafiar o sistema, nunca se preocupou com moda, raspou a cabeça para interpretar Elizabeth I, ganhou dois Oscars e dois Emmys e nunca se esforçou para estar em Hollywood para receber os prêmios.
Mais ainda, opositora ferrenha de Margaret Thatcher, deixou a carreira dos palcos e do cinema para se candidatar ao Parlamento Inglês, para o qual foi eleita e trabalhou por 25 anos, representando o Partido Trabalhista. O “mau humor” dela para perguntas superficiais era lendário, assim como seu talento.
Destemida e versátil, ela interpretou papéis de mulheres complexas nos palcos e nas telas. Filha de um pedreiro e uma faxineira e nascida em 1936, Glenda saiu da escola aos 15 anos para trabalhar em uma loja de departamentos e ajudar em casa. Alguns anos depois, casualmente, descobriu que gostava de teatro e conseguiu ser aprovada para estudar na prestigiada Royal Academy of Arts (RADA).
Estreou profissionalmente em 1957 e apenas seis anos depois, conquistou o estrelado quando foi escalada por Peter Brook para interpretar Charlotte Corday, a assassina do radical da Revolução Francesa, Paul Marat na peça Marat/Sade, de Peter Weiss.
Fez tanto sucesso que repetiu a atuação no filme, com o longo nome em português de A Perseguição e o Assassinato de Jean-Paul Marat Desempenhados Pelos Loucos do Asilo de Charenton Sob a Direção do Marquês de Sade.
Em dois anos, ganhou o mundo. Sua atuação no Mulheres Apaixonadas, a adaptação do polêmico romance de DH Lawrence, no qual aparece nua e em ousadas cenas de sexo, que garantiu seu primeiro Oscar. Também marcou sua parceria com o diretor Ken Russell, que a escalou para o papel da esposa perturbada de Tchaikovsky no filme Delírio de Amor, em 1971.
No mesmo ano ganhou o Emmy de Melhor Atriz pela minissérie Elizabeth R, onde interpretou Elizabeth I (famosamente raspando o cabelo para o papel). Emendou com outro Emmy por uma Cleópatra bem humorada em Morecambe and Wise Show, da BBC e em 1973 ganhou seu segundo Oscar, pelo filme Um Toque de Classe. Assim como no primeiro, não compareceu pessoalmente à cerimônia para recebê-lo.
Quando estava em torno de 55 anos, Glenda – que sempre foi vocal pelos direitos das mulheres e da classe operária – surpreendeu a todos quando “desistiu” da arte e se candidatou ao Parlamento britânico, sendo eleita e trabalhando por quase 25 anos representando o Partido Trabalhista.
Como ter uma vida convencional não se aplicava à sua genialidade, surpreendeu novamente ao “voltar” com mais de 80 anos, interpretando ninguém menos do que o Rei Lear no teatro, sendo obviamente aclamada e premiada pela atuação.
Em seguida, sim, seguiu trabalhando, ganhou um Tony pela peça de Edward Albee, Three Tall Women e há três anos ganhou outro Emmy (seu segundo), pela emocionante atuação em Elizabeth Is Missing, uma adaptação do best-seller de Emma Healey, em que interpretou uma mulher lutando contra a demência enquanto investiga o desaparecimento de sua melhor amiga Elizabeth. Ou seja, Glenda se despediu ainda nos ensinando que talento não tem idade ou limite.
A família não divulgou a causa da morte, mas seus últimos anos foram vividos perto de seu filho, o colunista político Dan Hodges, cuidando do jardim e curtindo o neto. Ela deixou um último trabalho, ainda em pó-produção, ao lado do amigo, Michael Caine, The Great Escaper.
Na entrevista que citei no início da coluna, o repórter provocou a atriz questionando se ela toparia interpretar seu desafeto político, Margaret Thatcher (certamente pensando em The Crown) e ela foi rápida.
“Eu acharia muito difícil. Sempre tentei seguir uma regra inquebrável de que você deve olhar o mundo pelos olhos de quem quer que esteja interpretando e eu acharia muito, muito difícil ver o mundo que Thatcher queria que habitássemos,” explicou.
Já a Rainha Elizabeth II, ela teria encarado. “Qualquer um pode interpretar a rainha. Quero dizer, Deus, se alguma mulher se guardou para si mesma, é a rainha. Quem sabe como ela é? Você sabe como ela é como a rainha. Como ela é como pessoa? Esse é um dos segredos mais bem guardados do mundo,” riu. Não muito diferente dela mesma, né?