Quem me acompanha aqui na coluna de CLAUDIA já percebeu que adoro uma nostalgia e uma biografia, né? Portanto, não será surpresa que em 2022 eu fale mais de uma vez de Marilyn Monroe, um dos maiores ícones de Hollywood e da cultura pop. Em agosto completarão 60 anos de sua morte, um mistério que persiste e alimenta teorias conspiratórias. Uma delas entrou no best-seller Blonde, que já foi minissérie e agora será um longa, pela Netflix. O lançamento deve acontecer por volta da metade do ano, mas a produção e o livro são cercados de polêmicas que já vale comentar por aqui.
Muito importante ressaltar que o livro não é uma biografia. Faz parte do gênero “ficção histórica”, que demanda um distanciamento e estudo sobre a História verdadeira para poder apreciar a fantasia. Algo, que, infelizmente, em tempos de preguiça e pouca educação, faz do gênero algo potencialmente perigoso, mas essa é outra discussão. O best-seller, que foi lançado em 2000, tem quase 700 páginas e demandou da autora, Joyce Carol Oates, profunda pesquisa sobre a atriz. São tantas biografias “definitivas” que ela decidiu “re-imaginar” o mito, separando as personagens em três: Norma Jeane Baker, Marilyn Monroe e, Blonde (Loira).
Segundo consta, a inspiração para o livro veio de uma foto de Marilyn aos 15 anos (ou seja, ainda Norma Jeane), quando venceu um concurso de beleza. Para Joyce Carol, a imagem transparece uma inocência inerente à várias mulheres e a remeteu às meninas de lares tóxicos cujos sonhos acabaram em derrotas. A partir dessa motivação, pensou em escrever um estudo sobre a transformação de uma jovem comum em estrela, com a perda de seu verdadeiro nome, de sua história e até identidade, que passam a ser posse de homens poderosos que comandam os estúdios de cinema.
Porém, revisitando os filmes de Marilyn, a escritora notou a inteligência da atriz e decidiu que a obra não poderia vitimizar Norma Jean/Marilyn. Marilyn Monroe é um símbolo complexo e profundo da cultura da celebridade. Ela decidiu ressaltar o lado trágico e obscuro de sua trajetória.
Separar a vida de Marilyn em fases é comum, mas a originalidade está em vê-la em três etapas. A 1ª cobre sua infância, a de uma menina que jamais soube quem foi seu pai, com uma mãe bipolar, que frequentemente era internada, levando a pequena Norma Jean a ser jogada entre orfanatos e diferentes famílias. Sofreu o primeiro abuso sexual aos 11 anos, e passou a vida sonhando ser genuinamente amada. A 2ª fase, já adulta e transformada em Marilyn Monroe, a deusa sexy, cuja beleza inigualável inspirava sexo e admiração. E, finalmente a 3ª persona, a Loira (Blonde), objeto de adoração e beleza, mas que nos bastidores é violentada e abusada por homens poderosos. Para a Joyce Carol, o mito Marilyn Monroe é o entendimento dessas três personalidades, por isso se recusou a escrever uma biografia, mudou a ordem dos fatos, criou pessoas que não existiram para poder transmitir sua visão da personagem. Sim, algumas pessoas tiveram seus nomes verdadeiros mantidos, outras são referidas por apelidos, mas a relação que teria tido com um filho de Charles Chaplin, Cass, ou Edward G. Robinson Jr.? Pura invenção.
O livro foi um grande sucesso há 22 anos e não demorou a ser adaptado para TV. Porém, a série amenizou as violências sexuais que agora serão mais gráficas. Também optou por excluir a versão de Blonde, que aposta no assassinato de Marilyn, aos 36 anos. A nova versão terá, de fato, uma abertura incrível após o #metoo. Já na época, quem era da indústria pescou que a escritora usou Harvey Weinstein como “inspiração” para sua versão do verdadeiro Darryl F. Zanuck. “Mr. Z”, como é chamado, é o dono de um estúdio e predador sexual. A cena do estupro de Marilyn – escrita quase 20 anos ANTES do movimento #metoo – mostra o que tantas sobreviventes descreveram em 2017, quando Weisntein foi formalmente acusado por seus crimes.
Com tudo isso, fica aqui a surpresa final. A principal controvérsia da obra não estará no sexo ou na “liberdade artística” de mudar nomes e fatos, mas na decisão do diretor, Andrew Dominik, de substituir Jessica Chastain (cuja agenda impediu de seguir no projeto), por Ana de Armas. A atriz e o diretor lidam com a suspeita e preconceito de que uma latina possa interpretar um dos maiores ícones americanos. Depois de Nicole Kidman como Lucille Ball e Kristen Stewart como Princesa Diana, ambas indicadas ao Oscar, podemos antecipar que a próxima a fazer campanha será justamente a atriz cubana. Quem a viu, garante que está de assustar de tão igual à Marilyn Monroe. Dominik, que assinou o brilhante filme O Assassinato de Jesse James pelo covarde Robert Ford, é um diretor autoral de muita credibilidade, e tem meu voto de confiança. Ele quer lançar Blonde no Festival de Cannes desse ano, a tempo do Oscar 2023. Sim, a corrida já começou!