Sempre fui fã de Billie Holiday, porque meu pai, fã de jazz, tinha muitos álbuns seus. Cresci ouvindo música de qualidade. Com o tempo e maturidade, agradeço ainda mais ter tido acesso à genialidade logo cedo. Por isso, quando estudava jornalismo em Nova York e tive o privilégio de ter uma aula com o repórter David Margolick, vibrei.
David era um dos melhores repórteres do New York Times e autor do best seller, na época lançamento, Strange Fruit, the Biography of a Song (Strange Fruit, a biografia de uma Canção em tradução livre). Eu conhecia bem, porque era um dos principais sucessos de Billie Holiday e um hino importante do movimento dos Direitos Civis nos Estados Unidos. Mas ouvir do autor como foi fazer a biografia de uma canção, me impactou ainda mais.
Desde então, quem me conhece, sabe que sempre busco “biografar” as canções que me impactam. E a história de Strange Fruit é uma das mais tristes já vividas.
Mas Strange Fruit não é sobre David, é sobre Billie. Ela gravou a canção em 1939, quando tinha apenas 23 anos. A letra era um protesto pelo linchamento de negros americanos no sul do país, comparados na poesia de Abel Meeropol a frutos “estranhos” pendurados em árvores. Linchamentos eram comuns e aceitos nos estados sulistas naquela época e a escolha de não apenas gravá-la, mas cantá-la ao vivo foi vista como uma declaração de guerra. Billie não se importou.
A trágica vida de Billie Holiday já foi tema de outros filmes, um dele estrelado por Diana Ross, The Lady Sings the Blues. Porém, em 2021, ela pode ganhar força para o Oscar com o forte The United States vs. Billie Holiday, estrelado por Andra Day.
O filme remonta a retaliação à cantora por ter feito de Strange Fruit um sucesso. Para o diretor Lee Daniels, a atualidade da canção, mesmo 82 anos depois, contribui para a importância de contar sua história.
Strange Fruit, ainda que proibida nas rádios, era a canção que encerrava as apresentações de Billie Holiday. Antes de interpretá-la, as luzes eram apagadas restando apenas um único foco na cantora. Garçons paravam de servir e ela ficava em silêncio, orando por vários minutos até começar a cantar. Um impacto que entrou para a história.
Após a gravação, o Governo americano aproveitou o vício em heroína e bebidas de Billie para usar as drogas como argumento para prendê-la. Vício em drogas era crime naquele tempo. No fundo, o que queriam mesmo era impedi-la de seguir cantando Strange Fruit ao vivo.
Não foi surpresa que, em 1959, ela tenha morrido de cirrose hepática, insuficiência cardíaca e edema pulmonar. Magra, sem dinheiro e com policiais aguardando na porta do seu quarto para levá-la de volta à prisão, Billie Holiday tinha 44 anos e apenas 70 centavos no banco.
Os críticos lamentaram o triste estado em que sua vida chegou ao fim, mas Billie nunca conseguiu escapar de homens abusivos. Sua coragem e determinação de transformar a canção em um clássico contribuiu para seu sofrimento em vida, mas Strange Fruit é, merecidamente, uma das maiores canções americanas já escritas.
Relembre a letra da canção:
As árvores do Sul estão carregadas com um estranho fruto,
Sangue nas folhas e sangue na raiz,
Um corpo negro balançando na brisa sulista
Um estranho fruto pendurado nos álamos.
Uma cena pastoral no galante Sul,
Os olhos esbugalhados e a boca torcida,
Perfume de magnólia doce e fresca,
Então o repentino cheiro de carne queimada!
Aqui está o fruto para os corvos arrancarem,
Para a chuva recolher, para o vento sugar,
Para o sol apodrecer, para as árvores fazer cair,
Aqui está uma estranha e amarga colheita.