Os 45 anos de “As Panteras”
Nostálgica, a colunista Ana Claudia Paixão comenta sobre os bastidores da série e reflexos de uma sociedade tão marcada pelo machismo
Em 22 de setembro de 1976, estreou na TV americana uma série que viria marcar gerações e gerações de meninas e mulheres: Charlie’s Angels ou, no Brasil, As Panteras. O número de amigas com quem brincamos e decidíamos “quem era Jill ou Kelly ou Sabrina” estão na memória e nostalgia de uma infância em que havia poucas mulheres liderando séries ou filmes de ação.
Por essa e outras razões, o impacto na cultura pop foi tremendo. Afinal, três beldades que eram investigadoras particulares e exímias lutadoras, não poderiam deixar de virarem símbolos sexuais imediatamente. Para as meninas, no entanto, elas eram símbolo de empoderamento e inteligência feminina.
Nesses 45 anos, muita coisa mudou e As Panteras – a começar pela tradução absurda do título da série – teve duas tentativas de reboot no cinema e uma na TV, mas nenhuma chegou aos pés da versão original.
Pelo menos na última edição, houve uma tentativa maior de inclusão no elenco, mas, nos anos 1970, isso estava longe de ter voz. A série ficou no ar por cinco temporadas, saindo em 1981, já por baixo.
As atrizes Kate Jackson, Jaclyn Smith e Farrah Fawcett serão sempre lembradas pelos nomes das personagens icônicas que criaram: Sabrina Duncan, Kelly Garrett e Jill Munroe.
Há paradoxos na história da produção. Os criadores, Ivan Goff e Ben Roberts, convenceram o produtor Aaron Spelling de que o sucesso da série Police Woman, a primeira na TV que tinha uma mulher como protagonista (Angie Dickinson), revelava um nicho que poderia ser explorado no mercado: mulheres fortes como principais (desde que fossem bonitas para agradar ao público masculino). O convenceram e começaram a trabalhar.
A primeira “pantera” foi Kate Jackson, que já fazia sucesso no show The Rookies e foi escalada para interpretar Kelly Garrett. A atriz pediu para mudar e ser Sabrina Duncan, firmando uma voz ativa no desenvolvimento da série.
Ainda bem, porque foi ela quem brigou por vários elementos importantes, incluindo o de nunca encontrarmos o chefe das Panteras, Charlie Townsend. Kate também barrou a escolha original do nome de The Alley’s Cats (As Gatas do Beco), sugerindo Charlie’s Angels (Os Anjos de Charlie). Ainda bem que ela não soube da tradução no Brasil, completamente datada e exatamente o que ela queria evitar.
Depois de Kate, Farrah Fawcett foi contratada. Na época, ela era casada com Lee Majors, de O Homem de Seis Milhões de Dólares, maior estrela da TV naqueles anos. Por isso quem assiste hoje pode estranhar, mas ela assinava Farrah Fawcett-Majors no início.
Com Sabrina e Jill escolhidas, uma morena e uma loira, os produtores queriam uma ruiva, mas, nos testes, a também morena Jaclyn Smith se saiu melhor e se recusou a pintar o cabelo. Nascia assim, o trio original.
A história da série mostrava na apresentação que Sabrina Duncan, Jill Munroe e Kelly Garrett se graduaram na polícia de Los Angeles, mas, apesar de serem as melhores de suas turmas, foram encostadas em funções menores ou administrativas apenas por serem mulheres.
Insatisfeitas com o preconceito e machismo da polícia, elas são recrutadas para uma agência de investigadores particulares liderada por Charles Townsend, o Charlie. Claro que resolviam os casos mais absurdos usando charme e inteligência. Foi fenômeno desde a estreia.
Olhando hoje, o paradoxo das três lutando por equidade esbarra ainda com figurinos ousados, fetichismo frequente nos “disfarces” que elas tinham que usar para suas investigações. Além disso, nunca encontravam o chefe pessoalmente, apenas seu assistente, John Bosley.
Para piorar, nós, que víamos Charlie, sabíamos que ele sempre estava cercado de mulheres de biquíni, em iates ou ilhas paradisíacas. Ultra suspeito! Será que As Panteras eram milicianas?
Piadas à parte, os dramas pessoais, as aventuras e perigos que elas passavam eram absolutamente improváveis e politicamente incorretos hoje em dia. Porém, por um breve momento, As Panteras inspiravam jovens a lutar e vencer como qualquer outro homem.
O sucesso, infelizmente, esbarrou na falta de sororidade. Do dia para a noite, as atrizes viraram grandes estrelas em Hollywood, em especial, Farrah Fawcett. Ainda mais que seu pôster em um revelador maiô vermelho fizeram dela um símbolo sexual de mais de uma década, recebendo mais cartas de fãs que as colegas, virando a referência da série.
A pressão da fama afetou seu casamento com Lee Majors, que não apenas tinha inveja como reclamava que ela não estava em casa para preparar seu jantar (como constava do contrato!).
Resultado, antes mesmo de chegar ao fim da primeira temporada, começaram os problemas. Farrah dizia que queria migrar para o cinema e Lee reclamava para os chefes da emissora que os dois tinham pouco tempo juntos.
Somando à questão salarial, a fórmula ficou completa. Como inquestionavelmente a mais famosa das três, Farrah não gostou de ganhar a metade do salário de Kate, assim como considerava insatisfatória a divisão percentual do merchandising.
Pediu demissão, mesmo tendo assinado um contrato de cinco anos (e foi processada pela ABC e Aaron Spelling). Como ela mesma disse anos depois, ganhou fama de difícil por tentar negociar seu contrato de forma mais favorável e balanceada. Eventualmente, as partes fizeram acordo e Farrah “compensou” a saída prematura com seis aparições especiais ao longo dos anos.
Para seu lugar, a produção apostou na cantora Cheryl Ladd, que depois de alguma insistência topou fazer o papel de Kris Munroe, a irmã caçula de Jill. A rapidez de sua substituição afetou o ego de Farrah, como admitiu depois. Mas riria por último.
Após a saída de Farrah Fawcett, e também porque a novidade tinha passado, a audiência mudou para pior. Aí, começaram mais problemas de bastidores.
Kate Jackson, que começou como a mais famosa e acabou como coadjuvante, ressentiu a entrada de Cheryl Ladd, a quem considerava “culpada” pela queda na audiência.
As duas abertamente se detestavam e o clima começou a pesar nas gravações. O público continuou a abandonar a série, enquanto Kate reclamava constantemente da qualidade dos roteiros também.
Para piorar, ela não foi liberada para fazer o filme Kramer versus Kramer, ao lado de Dustin Hoffmann. O fato de que uma relativa desconhecida, Meryl Streep, pegou o papel e ganhou um Oscar não ajudou a melhorar o humor da atriz. Ela criou tantos problemas que foi demitida, em 1979.
Com a saída de Sabrina e Jill, Kelly passou a ser a líder do grupo, mas Jaclyn Smith não tinha o carisma das colegas. Para o lugar de Sabrina, várias atrizes foram testadas, incluindo uma iniciante Michelle Pfeiffer, mas a escolhida foi uma modelo, Shelley Hack, cuja personagem, Tiffany Welles, já entrou na fase em que os fãs não viam mais a mesma graça na série.
Ficou apenas uma temporada e foi trocada por outra modelo, Tanya Roberts, que entrou como a detetive Julie Rogers. Esse trio – Kelly, Kris e Julie – segurou As Panteras por mais um ano antes do cancelamento. Tanya, em seguida, foi fazer parte do elenco de 007 – A View to A Kill.
A química e até a ousadia de As Panteras, mesmo com suas falhas, é irresistível mesmo 45 anos depois. As refilmagens não conseguiram captar a essência original, mas porque, ainda bem, avançamos tanto que as três não são mais novidade.
A importância das meninas se verem na tela, como mulheres independentes, ajudavam a ignorar todo o sexismo que na época ainda era dominante. Por isso é tão relevante olhar para o marco com orgulho e nostalgia. Saber que o que é falho é sinal de que já conseguimos mudar bastante coisa.
E quem era Charlie? Bem, nem As Panteras ou o público viram seu rosto. Mas, além de não aparecer, o ator que lhe deu voz por cinco anos jamais foi creditado no ar. Sabe quem era ele? John Forsythe. Isso mesmo, o ator que trabalhou com Alfred Hitchcock em O Terceiro Tiro e estrelou a novela Dinastia era Charlie Townsend. Só porque passaram 45 anos, colocamos o rosto dele aqui. Olá, Charlie! Olá, Panteras!