Esta entrevista de Cherie Blair, fundadora da Fundação para Mulheres Cherie Blair, para o Sparknews, elucida a importância de se encorajar o empreendedorismo social feminino. A partir de 11 perguntas, Cherie fala sobre a necessidade de existir mais modelos femininos nas empresas e como o empreendedorismo feminino pode contribuir para o desenvolvimento mundial e ajudar mulheres a ter voz mais ativa na sociedade.
Quais três palavras você usaria para descrever o empreendedorismo social feminino hoje?
“Poderoso”, “significativo” e “multiplicando-se”.
Voltando ao elementar, o que a motivou a criar a Fundação Cherie Blair para Mulheres em 2008 e por que devemos apoiar as mulheres na criação de seus próprios negócios?
Durante meu tempo de trabalho em Downing Street, tive a sorte de viajar pelo mundo. Eu conheci inúmeras mulheres de diferentes origens que estavam se esforçando para abrir negócios que visavam criar melhores vidas para si e suas famílias. Vi que, com o apoio e as ferramentas adequadas, elas poderiam alcançar coisas incríveis – não apenas para si, mas também para suas famílias, comunidades e economias. Então, em 2008, criei a Fundação Cherie Blair para Mulheres em apoio a mulheres empreendedoras em economias emergentes e em desenvolvimento – precisamente porque as mulheres desses países enfrentam obstáculos tão grandes.
Com relação às mulheres que estão sendo acompanhadas por seu programa de tutoria, quais tendências você observa no que diz respeito ao empreendedorismo social?
Estou constantemente inspirada pelas muitas maneiras através das quais as mulheres empreendedoras com quem trabalhamos sentem a responsabilidade de gerarem um saldo positivo e ajudarem outras através de seus negócios. 80% de nossa comunidade de aprendizes transmite o que aprendeu, enquanto 50% tornam-se mentores.
Uma dentre muitas empreendedoras sociais inspiradoras que nosso Programa de Tutoria a Mulheres nos Negócios apoiou é Anja, na Malásia. Ela é proprietária de uma empresa chamada Blubear Holdings Sdn Bhd – um empreendimento social que comercializa produtos sanitários ecológicos e reutilizáveis, que investe metade de seus lucros em programas de formação para garotas de 9 a 17 anos.
Que tipo de inovações ou negócios as mulheres acompanhadas pela Fundação Cherie Blair desenvolvem?
Já trabalhamos com mais de 140 000 mulheres empreendedoras de mais de 100 países, de modo que você pode imaginar que os setores e contextos que elas englobam são extremamente variados.
Um excelente exemplo é Mariela, uma de nossas aprendizes na Argentina. Há duas décadas ela trabalha com logística na Argentina, mas como uma mulher em uma indústria dominada por homens, ela se viu batalhando para ter suas ideias ouvidas e para subir a um posto de chefia. Frustrada, ela e duas amigas decidiram lançar a própria empresa, a Kalima Soluções em Logística e Transportes (Kalima Shipping and Logistics Solutions), que oferece suporte logístico a empresas de frete e transporte rodoviário, concentrando-se, sobretudo, em pequenas e médias empresas dirigidas por mulheres.
Que tipo de obstáculos essas mulheres encontram?
Em primeiro lugar, os estereótipos e comportamentos de gênero em relação aos trabalhos de cuidados não-remunerados significam que os afazeres domésticos são colocados, primeiramente, nas costas das mulheres. Isso pode ter um impacto altamente prejudicial na capacidade delas de participar da economia – seja como funcionárias ou empresárias.
Outro desafio fundamental é a falta de acesso a treinamento e serviços financeiros. A Corporação Financeira Internacional estima que cerca de 65% das pequenas e médias empresas pertencentes a mulheres, baseadas em economias em desenvolvimento, são desatendidas por instituições financeiras, o que representa um déficit de financiamento de USD $ 260-320 bilhões. As desigualdades educacionais agravam a questão, uma vez que as mulheres muitas vezes carecem de cultura, habilidade e confiança financeiras necessárias à gestão eficaz de suas finanças.
Por que você acha que as mulheres podem estar mais em sintonia com o empreendedorismo social?
Talvez seja a maneira como estamos condicionadas – geralmente, as meninas são preparadas para cuidar dos outros de uma maneira que os meninos geralmente não são. Essas rígidas normas de gênero – ainda bem – estão mudando, mas acredito, sim, que a gentileza e maior consciência das mulheres em relação às necessidades dos outros pode atrair maior número delas para o empreendedorismo social.
Quando era jovem, em Lancashire, na Inglaterra, que exemplos fundamentais a inspiraram a acreditar em si e a correr atrás de seus sonhos?
Meu pai nos deixou quando eu era muito pequena. Eu fui criada por minha mãe e minha avó – duas mulheres muito fortes que me ensinaram em uma idade precoce a importância de ser autossuficiente.
Tanto minha mãe quanto minha avó tiveram que deixar a escola aos 14, mas, por isso mesmo, elas estavam convencidas de que minha irmã e eu teríamos um começo de vida melhor. Fomos incentivadas a aproveitar ao máximo nossa educação e, sobretudo, a acreditar em nós mesmas.
Obviamente, você iniciou sua carreira com foco no campo das leis; o que a levou a se voltar mais ao empreendedorismo e aos negócios?
Existe um valor fundamental que guiou minha vida e minha carreira – a crença de que todos têm o direito de participar igualmente de suas sociedades. Foi o que me atraiu para uma carreira em direito e o que guiou meu desejo de iniciar uma fundação com foco no empreendedorismo das mulheres.
Globalmente, precisamos desesperadamente de mais mulheres líderes e exemplos para inspirar as gerações subsequentes. Quando se trata de contextos em que o trabalho seguro e decente na economia formal é difícil de encontrar – e ele sempre é mais difícil ainda para as mulheres –, o empreendedorismo oferece uma oportunidade para as mulheres assumirem o controle de seus próprios futuros, criarem empregos e melhorarem a vida de suas famílias e comunidades.
Notamos que a maioria de sua equipe na Fundação Cherie Blair para Mulheres (como em muitos outros institutos que se concentram em questões de gênero) são mulheres. Que papel você acredita que os homens devem desempenhar no apoio às mulheres empreendedoras sociais?
Os homens são parte do problema, então eles, com certeza, precisam ser parte da solução. Não é possível enfrentar a desigualdade de gênero sem que os homens façam parte da mudança.
A questão é como colocar os homens para discutir questões de igualdade de gênero e como os convencemos a fazer mais do que apenas “conversar”. Como podemos convencê-los de que renunciar a parte de seus privilégios e poderes, em última análise, seria benéfico para todos, inclusive a eles próprios?
Um excelente exemplo é a Fundação Mann Deshi, uma de nossas parceiras na Índia. Em seus programas, eles oferecem aulas de alfabetização financeira aos homens, depois que uma participante observou que de nada adiantava ela adquirir conhecimento financeiro se seu marido continuasse com seus gastos habituais. Eles também celebram o apoio dos maridos em grandes eventos comunitários onde os homens são recompensados por serem especialmente favoráveis às ambições de suas esposas.
Que conselho você daria às mulheres que ainda hesitam em abrir seus próprios negócios?
Muitas vezes, diz-se às mulheres que elas não são capazes. Então, minha mensagem é simplesmente essa: você pode. O apoio prático e emocional às mulheres empreendedoras ao longo do caminho é crucial – mas a força e a determinação interiores farão a diferença entre uma aspiração que permanece um sonho e a que se torna realidade. Quando as mulheres acreditam em si mesmas, coisas incríveis podem acontecer.
Para encerrar com uma observação positiva, quando olhamos para o futuro, a que tipo de exemplos você acha que os jovens (especialmente as meninas) devem aspirar?
Hoje e no futuro, acho que os exemplos perfeitos para as meninas encarnam alguns dos mesmos elementos fundamentais. Essas mulheres são verdadeiras pioneiras e estão criando espaços positivos para que outras consigam brilhar também.
*Neste Dia da Mulher, CLAUDIA participa da ação internacional Women in Businesses For Good, da iniciativa social Sparknews, que visa
revelar inovações impactantes criadas por mulheres e seu potencial de ampliação ou replicação em outros países.