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Stéphanie Habrich

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Stéphanie Habrich é CEO da editora Magia de Ler, apaixonada pelo mundo da educação e do jornalismo infantojuvenil. Fundadora do Joca, o maior jornal para adolescentes e crianças do Brasil e do TINO Econômico, o único periódico sobre economia e finanças voltado ao público jovem, ela aborda na coluna temas conectados ao empreendedorismo, reflexões sobre inteligência emocional, e assuntos que interligam o contato com as notícias desde a infância e a educação, sempre pensando em como podemos ajudar nossos filhos a serem cidadãos com pensamento crítico.
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11 de setembro: Minha experiência trabalhando no World Trade Center

"Uma coisa que aprendi é que falar sobre esse assunto faz parte do meu processo de cura. Espero que sirva de inspiração para você" - Stéphanie Habrich

Por Stéphanie Habrich Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
6 set 2021, 17h03
11 de setembro
Atentado de 11 de setembro (|Robert Giroux/Getty Images)
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A tragédia do dia 11 de setembro completa 20 anos em 2021. Na época do atentado, eu morava em Nova York e trabalhava em uma das torres do World Trade Center. Quando tudo aconteceu, eu estava no escritório e vivenciei a angústia daquelas horas.

Até hoje, penso no 11 de setembro pelo menos uma vez por dia, com gratidão por ter sobrevivido. Mas uma coisa que aprendi é que falar sobre esse assunto faz parte do meu processo de cura. Por isso, hoje resolvi tratar sobre o atentado nesta coluna. Espero que isso sirva de inspiração para você, leitora. Todas nós passamos por momentos difíceis na vida. Mas estou certa de que a única forma de seguir em frente é encarando os nossos traumas, jogando luz em cima deles – e não fingindo que nada aconteceu.

Stephanie Habrich
A colunista Stéphanie Habrich (Julia Rodrigues/CLAUDIA)

Na época do atentado, eu trabalhava no Deutsche Bank, em Nova York. Além do prédio que eles tinham do outro lado da rua do World Trade Center, a empresa possuía alguns andares na Torre 4, que ficava colada à Torre Sul. Eu trabalhava no quarto andar.

Veja também: Como lidar com a fadiga de notícias ruins?

Eu me lembro muito bem do lindo dia que fazia. O céu não tinha uma única nuvem no céu e tinha um azul incrível. Havia chegado ao escritório mais cedo para acabar um trabalho que tinha que entregar. De repente, ouvi uma enorme explosão, um impacto tão forte que parecia que tinha sentido o vidro estremecer atrás de mim. Então, olhei para trás e vi uma enorme bola de fogo na Torre Norte. Logo em seguida, um dos funcionários que trabalhava no meu andar gritou para que todos evacuassem o local. Rapidamente, descemos pelas escadas – nem pensei em pegar a minha bolsa ou celular, simplesmente me levantei e saí correndo.

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Quando chegamos ao térreo, fomos para o lado de fora do prédio. No lugar da bola de fogo, havia muita fumaça saindo dos andares mais altos da Torre Norte. A minha primeira impressão foi de que um avião de acrobacia havia perdido o controle e, sem querer, se chocado com a torre. Mas outras pessoas falavam que tinham visto um avião de porte maior, provavelmente um avião de carga que teria perdido o controle.

Então, nos sentamos perto da entrada do prédio para voltar ao escritório assim que os bombeiros, que chegaram em poucos minutos, nos deixassem retornar. Estava sem meus pertences, sem meu celular e ainda preocupada com o trabalho atrasado que eu tinha que entregar. Queria voltar logo à minha mesa.

Mas, com certeza, o momento mais assustador de todos foi quando o segundo avião bateu na Torre Sul, a segunda torre. De repente, ouvimos um barulho ensurdecedor de um avião e, em seguida, várias explosões. O barulho da aeronave não era o som que ouvimos normalmente durante um pouso ou decolagem. Era como se o veículo estivesse acelerando o máximo que podia.

Neste momento, eu pensei que um avião estava nos sobrevoando e atirando de cima. Não pensei em nada, não olhei para cima, apenas corri como todos os outros que estavam por perto. Pensei que eu seria atingida por uma das bombas e, por isso, tentei entrar em prédios que ficassem um pouco mais longe de tudo o que estava acontecendo. Mas, certamente, eu não era a única a pensar que estavam nos bombardeando, pois a cada prédio que eu tentava entrar, as portas já estavam fechadas ou fechavam na minha frente. Tive muito medo.

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Quando os estouros cessaram, parei de correr e vi a segunda torre em chamas. No momento, não paramos para entender nada. Não lembro mais o que passava pela minha cabeça. Tentei achar um orelhão para fazer uma ligação a cobrar para meus pais, mas as linhas estavam congestionadas demais. Ninguém ao meu redor conseguia falar ao telefone, nem por celular.

Não me lembro quanto tempo passou, até que vi algo escuro caindo de muito alto da torre. Pensei que fosse uma cadeira caindo, mas logo começaram a gritar à minha volta que era uma pessoa. O barulho do impacto do corpo no chão é muito impactante. Um som diferente de qualquer coisa que já ouvi. Com as pessoas à minha volta em choque, poucos falavam.

Decidi não ficar assistindo. Precisava ligar para meus pais. Então, uma policial começou a dizer que nós podíamos entrar no metrô, que a entrada seria gratuita.  Assim, entrei na estação e fui em direção à minha casa. Lembro que demorou muito para chegar até o meu apartamento. O metrô parava várias vezes e eu não sabia se ele continuaria o trajeto ou se ficaríamos presos.

Quando consegui chegar ao meu prédio, fui direto para o apartamento da minha vizinha. Foi neste momento que ela me explicou o que estava acontecendo. A única coisa que eu queria era ligar para os meus pais e dizer que estava bem. Primeiro, liguei para o meu pai no Brasil – foi a única vez que ouvi meu pai chorando na minha vida. Depois, liguei para a minha mãe, que estava na França. Quando consegui falar com ela, ela estava em uma capela em Paris.

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Passadas algumas horas, chegou a noite e os moradores de Manhattan, um dos bairros de Nova York, se encontraram em alguns pontos específicos da cidade, com velas, orações e abraços. Eu fui até o Union Square, que fica delimitado pela 14th Street e 17th Street. Quando cheguei ao parque, havia uma maré de velas e pessoas. Não havia nenhum barulho em Manhattan, nenhum som de carro de bombeiro, automóveis ou avião. As ruas estavam totalmente desertas, os negócios e restaurantes estavam com as portas fechadas. Quem conhece Nova York mal consegue imaginar a ilha de Manhattan tão silenciosa. Toda a cidade estava sob estado de choque e com muito medo de que novos ataques fossem acontecer ali ou nos Estados Unidos nas próximas horas ou dias.

Mas estar no Union Square com todas essas pessoas que, assim como eu, estavam tentando digerir o que tinha acontecido foi muito reconfortante e único. As pessoas se falavam, contavam suas histórias, demonstravam suas indignações. Estávamos juntos na mesma dor e pensávamos nos que não puderam se salvar.

As duas noites seguintes foram parecidas. Todos buscavam algum conforto entre pessoas que vinham, aos pontos de encontros, pelos mesmos propósitos. Quando ainda estava de dia, eu ficava em casa, na frente da televisão, ainda sem muita reação, ouvindo as histórias das pessoas que iam sendo identificadas e as buscas pelos responsáveis pela tragédia. Penso que foi a primeira vez que ouvi o termo Al Qaeda.

Alguns dias após o atentado, voltamos a trabalhar. Naquela época, o home office não era praticado. O Deutsche Bank tinha um galpão em Nova Jersey para eventuais desastres naturais e usaram esse local como novo espaço de trabalho. Era enorme, cheio de fileiras e mesas com computadores. O meu aparelho já tinha todos os meus arquivos para continuar o trabalho. Ficamos aproximadamente seis meses trabalhando lá, antes de voltar para a ilha de Manhattan.

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Para nos ajudar a lidar com o que tinha acontecido, havia psicólogos à nossa disposição. Nos dois anos seguintes, a prefeitura de Nova York pagou terapia para quem estava perto do WTC na hora da tragédia e para quem tivesse sofrido alguma consequência do atentado.

A verdade é que, depois do dia 11 de setembro, a minha vida – assim como a de todos – mudou muito. Na época em que tudo aconteceu, eu tinha 30 anos. Hoje, tenho 50, moro em São Paulo e sou empreendedora. Depois da tragédia, comecei a questionar cada vez mais como eu queria viver minha vida e qual era o meu propósito.  Desde a minha chegada a Nova York, em 1996, trabalhava no mínimo 12 horas por dia e, às vezes, a noite toda.

Então, no ano seguinte ao atentado, saí do banco e comecei um mestrado em relações internacionais, já com o objetivo de mudar os rumos da minha vida. Em 2011, já de volta ao Brasil, fundei o Joca, o primeiro jornal para crianças e adolescentes do país. Hoje, temos mais de 30 mil leitores e me sinto muito feliz em saber que estamos estimulando tantos jovens a pensar de forma crítica, conhecer o mundo à sua volta e se envolver com a prática da leitura. Sou completamente apaixonada por esse projeto e sinto que foi com ele que encontrei meu verdadeiro propósito.

O 11 de setembro foi muito doloroso, mas me deixou lições valiosas. A tragédia intensificou um processo que eu já vinha encarando de questionar o que, de fato, eu queria para a minha vida. Sou grata por ter sobrevivido ao atentado e por tudo o que aprendi desde então.

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