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Juliana Borges

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Juliana Borges é escritora, pisciana, antipunitivista, fã de Beyoncé, Miles Davis, Nina Simone e Rolling Stones. Quer ser antropóloga um dia. É autora do livro “Encarceramento em massa”, da Coleção Feminismos Plurais.
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Feminismo não é sobre colocar a mesa do jantar. Mas é também.

A escritora Juliana Borges é a nossa colunista sobre feminismo e questões sociais

Por Juliana Borges
Atualizado em 23 set 2019, 16h53 - Publicado em 23 set 2019, 16h48
 (Divulgação/Divulgação)
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Uma ideia confusa rola por aí: a de que o feminismo tenta impor um jeito de ser para as mulheres. Eu chego a bugar quando vejo esse tipo de confusão, mas eu entendo que ela exista. Muita gente, na boa intenção de desfazer este nó, vai afirmar o lado mais político do feminismo, já que foram difundidas muitas coisas que interferem na esfera pessoal quando falamos deste movimento. Isso mesmo: movimento.

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O Feminismo não é uma ideologia, não é uma doutrina. O Feminismo é um movimento. E, por ser movimento, ele tem muitas tendências de pensamento, principalmente no que se refere à tática para alcançarmos a equidade. Eu vejo o feminismo como um movimento político e filosófico. Por que?

Um movimento político, porque segundo o livro Feminismo para os 99%, um manifesto”, de Cinzia Arruzza, Tithi Bhattacharya e Nancy Fraser, “o feminismo para os 99% busca uma transformação social profunda e de longo alcance. (…) seja lutando por justiça ambiental, educação gratuita de alta qualidade, serviços públicos amplos, habitação de baixo custo, direitos trabalhistas, sistema de saúde gratuito e universal, seja batalhando por um mundo sem racismo nem guerra”. Ou seja, o feminismo busca construir equidade profunda, real e radical. Para bell hooks, uma socióloga americana – e o nome dela se escreve em minúscula mesmo – o feminismo envolve tudo isso porque a gente está, fundamentalmente, questionando a dominação. Ou seja, o feminismo questiona essa ideia de forte versus fraco, privilegiados versus desprivilegiados, dominantes versus dominados. Ela coloca o debate nesta chave, porque ela trabalha justamente nos pontos da sociedade que se articulam e, deste modo, tira esta ideia de que mulheres não podem também dominar. Com isso, bell hooks busca desconstruir esta ideia de homens como inimigos e mulheres como vítimas. Um exemplo que ela usa é da dominação, por exemplo, que uma mulher rica e branca pode exercer sobre uma mulher pobre e negra/indígena/etc., ou até mesmo da relação entre mães e filhos/as. bell hooks tem um artigo sobre isso chamado “feminismo: uma política transformadora”, em que ela diz “Para compreender dominação, precisamos compreender que nossa capacidade como mulheres e homens de ser dominados e dominadores é um ponto de conexão, uma convergência”.

Do ponto de vista filosófico porque o feminismo busca transformações que também envolvem o nosso modo de pensar, ver e agir no mundo. Voltando à bell hooks, o feminismo é o “movimento político que mais radicalmente se dirige à pessoa – ao pessoal – mencionando a necessidade de transformação do eu, dos relacionamentos, (…)”. A prática feminista, neste sentido, envolve uma mudança no nosso comportamento, propõe que repensemos pressupostos, que questionemos o “natural” como construções sociais. E isso tudo envolve como pensamos o modo como cuidamos e como amamos. Por isso que afirmei que feminismo é e não é sobre se podemos ou não colocar a mesa.

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Há uma confusão tremenda – de alguns por desconhecimento, de outros por má-fé – de dizer que o feminismo significaria uma mudança que imporia um outro modo de viver. Pelo contrário, o feminismo define equidade como possibilidade para a liberdade. O feminismo, justamente, defende que você não seja obrigada a qualquer coisa pelo simples fato de ser mulher. O feminismo não questiona que você coloque a mesa. Ele questiona que você seja a única responsável por esta tarefa sob uma divisão puramente sexual do trabalho e que se estabelece pela dominação, que cria superiores e inferiores. O feminismo questiona que você ganhe menos, quando exerce a mesma função de um homem, por ser mulher. O feminismo questiona que você não acesse determinados cargos e trabalhos porque engravida. O feminismo não questiona o seu direito a maternar, pelo contrário! Se hoje temos mínimos avanços em alguns países que garantem estabilidade no trabalho, licença maternidade é porque o feminismo fez esta reivindicação. O que o feminismo questiona é que a sociedade lhe obrigue a ser mãe, porque nem todas nós queremos sê-lo. O feminismo não questiona a sua vontade de cuidar do outro, desde que essa seja a sua vontade e não uma imposição porque inventaram que “mulheres cuidam melhor”, quando, na verdade, fomos criadas para isso. O feminismo não questiona que você cuide de quem você ama. Mas o feminismo questiona que apenas mulheres sejam ensinadas a buscar o amor, a criar expectativas, sem que haja nenhuma responsabilidade afetiva por parte do masculino. O feminismo não é contra o masculino. Mas o feminismo questiona masculinidades tóxicas, que adoecem e embrutecem homens e machucam e matam mulheres. O feminismo questiona porquê mulheres não podem ter a oportunidade de escolha. Qualquer coisa diferente disso, que queira ascender espaços de poder sem questionar como este poder funciona, nem transformá-lo e queira inverter a lógica de dominação, simplesmente, não é feminismo. O feminismo quer que nós mulheres sejamos respeitadas em nossos desejos e escolhas, quer um outro tipo de poder, que não seja coercitivo, mas comunitário. O feminismo quer que as relações sejam saudáveis e baseadas no respeito. bell hooks, mais uma vez ela, nos fala da importância do amor. Não como algo apenas da esfera íntima, mas que faz exercer a alteridade, que resiste a desumanização e a dominação. O feminismo quer um amor como prática da liberdade.

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