Procura-se tesão: como recuperar a libido derrubada pela pandemia
Menos sexo, mais rotina e tensão. A equação foi cruel para a libido, e o desejo caiu dentro de casa. Não tem nada de errado, mas há como mudar o jogo
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m dia, Teresa* se deu conta que ela e o marido não transavam há mais de um mês. Não era um cálculo que ela vinha mantendo ou um fato ao qual se apegou. Apenas, de repente, percebeu. Parou para refletir. Nesse meio-tempo, não sentiu falta de sexo, não teve vontade e não foi procurada pelo parceiro.
Mas nada disso também a preocupou. Não aconteceu nenhuma briga ou rompimento. A paixão se mantinha, assim como o amor e o companheirismo. Diferentemente do status privado da relação – Teresa e o marido são casados há quatro anos e estão juntos há sete –, o elemento de desequilíbrio da fina equação que o par desenvolveu é bastante coletivo: a pandemia.
A empreendedora de Campinas e o marido estão saudáveis e não tiveram casos da Covid-19 na família, mas foram absorvidos pelo marasmo da repetição e pela falta de perspectiva. “Quando a pandemia começou, estávamos em uma viagem muito planejada pela Europa. Vimos o medo se espalhar primeiro por lá e depois aqui. Mas chegamos tão inspirados de termos realizado um sonho e com as energias recarregadas que a fase inicial de isolamento foi tranquila”, lembra ela. E assim se passou um ano.
O marido de Teresa segue trabalhando fora; ela quem fica em casa. Ainda assim, as válvulas de escape acabaram. “No fim do ano passado, recebemos as notícias da vacina, os números caíram. Tivemos uma falsa percepção de que a situação ia melhorar e depositamos nossas esperanças nisso. Quando voltamos à estaca zero ou à menos cem, como estamos agora, desandou. Começamos a ter desentendimentos”, lembra Teresa.
Em seguida, rolou uma conversa que ela classifica como “muito difícil”, puxada pelo marido. Concluíram que a carga emocional estava pesadíssima e impactava diretamente na libido de ambos. “Foi um papo muito aberto e sincero, sem ataques. No começo, parece que você está falando para a pessoa que você não gosta mais dela, que ela não causa mais nada em você, um teor tão definitivo. Mas se os dois estiverem dispostos a avançar, vão perceber que não tem nada a ver isso, é uma troca para compreender em que ponto cada um está e o que pode ser feito”, explica.
No caso do marido de Teresa, o que ele mais sentia falta era do sentimento de conquista. De levá-la ao bar, restaurante, paquerar e depois terminar a noite no motel. “Ele gosta mais de transar no motel do que em casa. Eu não tenho isso. Mas entendo que não é a mesma coisa você ter a pessoa ali 24 horas por dia com a cama no quarto do lado, parece muito fácil, perde a sedução.”
Depois dessa troca, a relação até esquentou com um ou outro encontro sexual. “Mas agora morreu de vez. E eu não vejo problema nisso. Cansei de tentar ser positiva e fico indignada com o que estamos vivendo, não consigo ignorar a pandemia e isso mexe com a minha disposição. Eu me sinto um rato. Acordo, trabalho, vejo TV e durmo. Não tenho vontade de nada, nem de masturbação. Ele lida melhor com as notícias, consegue bloqueá-las”, explica Teresa.
Apesar disso, ela não questiona a solidez da relação. “Sinceramente, me incomoda essa ideia de que falta de libido é um problema. Acho que o maior termômetro de um relacionamento é o beijo. O dia em que estivermos dando só selinho, mau sinal”, completa ela, que afirma não querer procurar soluções para seu tesão na internet. “Sei que elas estão lá, mas não tenho vontade. Acho que o melhor que fazemos é manter o diálogo aberto e pensarmos em soluções a curto prazo para amenizar os efeitos da pandemia e do isolamento”, acredita.
O que Teresa e o marido estão passando não é exceção. Desde o início da crise da Covid-19, em 2020, qualquer vida sexual, de casais e solteiros, virou de ponta-cabeça. Aqueles que tinham um parceiro fixo se viram convivendo 24 horas por dia – quem diria que o tempo no escritório fosse tão benéfico para a relação? –, alguns com os filhos e até os pais idosos dentro da mesma casa.
Do outro lado, quem tinha múltiplos parceiros de repente sentiu o medo do contágio e parou, ou ao menos diminuiu, suas aventuras. A questão virou tão séria que passou a ser assunto de órgãos governamentais. A prefeitura de Nova York, por exemplo, criou um guia em que ressaltava que seu parceiro mais seguro era você mesmo, indicando a masturbação como saída.
Foi nesse contexto que a masturbação voltou a figurar entre os assuntos mais falados e os brinquedos sexuais tiveram crescimento enorme em suas vendas – no guia da prefeitura de Nova York, o item sobre sex toys indica que eles sejam lavados com água corrente e sabão por, ao menos, vinte segundos antes e depois do uso.
O portal MercadoErótico.Org divulgou o crescimento de 50% das vendas do setor durante março a maio do ano passado, o que resultou em um milhão de produtos eróticos. Desde então, a área segue em ascensão, especialmente com o sigilo e a descrição garantidos pelo sistema online.
“Não só o medo de sair de casa vai impulsionar a procura por dildos e outros recursos sexuais, mas também o cansaço. Fazer sexo com o outro demanda tempo, energia, disponibilidade – e isso aumenta se a relação não estiver azeitada. O brinquedo é mais rápido e logo libera você para fazer outras coisas. Cresce também o consumo de pornografia, outro estímulo”, explica Carla Zeglio, psicóloga especializada em terapia sexual e de casal, diretora do Instituto Paulista de Sexualidade.
Para ela, o cenário não é de todo negativo, contudo. “Eu torço para que as mulheres usem esse momento de adoção dos sex toys e de busca por satisfação sexual para se conhecer melhor, entender onde elas preferem ser tocadas e como. É um intervalo importante para nós, que estamos tão sobrecarregadas”, defende.
Ela ressalta, porém, que a missão não é nada fácil. Comprar um brinquedo não significa prazer imediato nem a solução da crise de libido. Se você estiver atrás de uma mudança nesse cenário – tudo bem não estar e só querer sobreviver a esse momento caótico que vivemos –, vai precisar investir mais em você mesma.
Essa tal de libido
Libido é o desejo sexual que sentimos e que, por diversos motivos, se acentua ou diminui. A libido pode ser influenciada por fatores hormonais e alterações causadas por medicamentos, por exemplo. “A libido feminina envolve mais hormônios do que a masculina, mas o mais importante é olhar para as taxas de testosterona; é esse o hormônio que vai garantir a normalidade do desejo. E o que derruba a testosterona? Cortisona, o hormônio do stress, ou seja, todo esse nervoso que passamos com a pandemia, a ansiedade de não saber se vamos conseguir pagar as contas, joga a testosterona no chão e acaba também com a libido. Exercícios físicos, atividade que ajudaria nesse caso, também estão dificultados no momento, já que as academias estão fechadas e menos gente se sente estimulada a manter as práticas em casa”, explica Cátia Damasceno, fisioterapeuta especializada em sexualidade, dona de um canal no YouTube sobre o tema com mais de 7,8 milhões de inscritos. Para algumas pessoas, a deficiência hormonal é resolvida com reposições, contudo, na maioria dos casos, o problema do casal está no relacionamento.
“Chame seu parceiro para entrar num site de venda de sex toys e escolham juntos. Só isso já vai aumentar a tensão até a chegada do brinquedo”
Cátia Damasceno, fisioterapeuta especializada em sexualidade
Cátia recomenda, primeiro, abrir um canal de diálogo e conversar com o parceiro sobre os incômodos, por mais esforço que isso exija. “Há algumas técnicas para evitar brigas nesse momento. Use a comunicação não violenta e seja assertiva. Em vez de acusar o outro de não arrumar a cama ou de não lavar a louça, por exemplo, diga que você fica chateada quando pede colaboração dele nas tarefas da casa e ele não corresponde. Explique que isso vai deixando você desanimada. Se você começar atacando, o outro vai entrar na defensiva e o papo não vai levar a solução nenhuma”, acrescenta.
Estímulos básicos, em muitos casos, ajudam a combater as crises sexuais entre parceiros. “Quando namoramos, marcamos horário pro cinema, pro jantar no restaurante. A grande maioria dos casais, quando vai morar junto, acha que a convivência basta e que esses momentos de dedicação ao outro serão naturais na rotina. Isso não é verdade. Assim como no dia a dia pré-pandemia colocávamos na agenda a atividade do filho à tarde, a academia ou o médico, precisamos ser racionais também no amor e separar um tempo para ficar com o parceiro. Na pandemia, isso é mais desafiador, claro. Mas ainda assim, dá para fazer. Eu tenho quatro filhos. Em dias que combino de passar um tempo com meu marido, adianto as atividades com as crianças, me dedico a elas o máximo que posso durante a tarde e coloco na cama antes. Aí eu e meu parceiro vamos fazer um jantar juntos, assistir um filme. Essa atenção já faz diferença”, explica Cátia.
Outra opção para apimentar a relação, caso ela esteja tediosa, é recorrer a alguns sex toys para usar juntos. “Só entrar no site já vai aumentar a tensão entre os dois, aí tem a parte da escolha e da ansiedade esperando chegar para usar. Cada vez que a campainha tocar, vai rolar a lembrança de que esse momento a dois está chegando. Pode ser uma coisa simples, como um gel de massagem íntima”, aconselha Cátia, que também sugere a leitura de contos eróticos com o marido ou namorado.
Um esforço diário
Apesar da maior percepção sobre a libido vir à tona nos momentos de atividade sexual, ela é um esforço diário, uma construção. “A saúde sexual vai para além de não ter nenhuma doença, ela é caracterizada pela vivência plena da sua sexualidade. Isso começa no banho que você toma e toca seu corpo para aprender sobre ele, passa pelo vinho partilhado com o outro, por escolher um perfume estimulante: é um trabalho dos cinco sentidos”, afirma Carla.
Ainda assim, se a convivência brutal do último ano e a falta de lubrificantes sociais continuarem no caminho da relação, uma ideia é fazer terapia de casal. “Aumentou bastante a busca no último ano, porque os casais passaram a ter que lidar com problemas que vinham de antes. Não é a pandemia que provocou o aumento do número de divórcios, mas questões mal resolvidas chegaram ao limite porque não temos mais um mundo exterior para nos distrair”, acrescenta Carla.
Com a autorização de atendimentos terapêuticos por videochamada pelos diversos conselhos de saúde do país, o casal ganha outra opção de cuidado da relação mesmo dentro de casa. Pode parecer estranho no começo, mas é uma ferramenta essencial para compreender como o cenário pandêmico está afetando também nossos laços. “O medo que sentimos é antagônico à criação de reconhecer o desejo sexual no outro. E falar sobre ele pode ser uma forma de reduzir a tensão em diversos aspectos da vida”, explica a psicóloga.
Foi exatamente o temor de ficar doente que limitou a vida sexual de Simone Rodrigues, 47 anos, desde março do ano passado. “Não tive coragem de encontrar desconhecidos ou de ir em festas e bares, mesmo quando estavam permitidos, como alguns amigos fizeram. Eu até estava disposta a sair com pessoas que já conhecia e ouvia que elas estavam se cuidando, mas não confiava. Pensava: ‘O que a pessoa estava fazendo enquanto não estava comigo?’ ”, lembra-se.
Com o passar do tempo, a situação foi deixando Simone extremamente ansiosa e, aos poucos, derrubou seu tesão. “Até masturbação passou a rolar em intervalos bem maiores. Com a falta de estímulo e também a ausência de uma previsão de quando o contexto pandêmico vai melhorar, a vontade não vem”, explica ela que, no começo, até tentou se empenhar numa vida pelo Zoom.
“Hoje não vejo mais sentido em me maquiar, me arrumar toda, fazer escova pra ficar conversando e vivendo através de uma tela”, conta. Para Simone, o que falta é um cenário favorável, um clima. “Pode ser até tomar um suco de laranja na padaria, mas já dava para ir traçando a conexão com o outro”, lembra.
“Queremos tudo para ontem, mas é preciso entender que só voltaremos a enxergar possibilidades daqui um tempo, talvez só no próximo ano”
Carla Zeglio, psicóloga
Simone compreende que o que sente é consequência do momento que estamos vivendo. Para amenizar a ansiedade, adotou trabalhos manuais e criativos como hábitos. Também passou a se vigiar quanto ao tempo em frente ao computador trabalhando, depois de perceber que estava ultrapassando seu horário comercial.
“Não me assusta essa falta de libido momentânea, porque sei que ela vai voltar ao normal quando eu me sentir segura e retomar a minha vida social. No ano passando, quando a situação tinha melhorado um pouco, marquei um encontro com um parceiro frequente e foi ótimo. Ele veio na minha casa e senti tudo como era de se esperar, então fiquei tranquila porque sei que não é um problema de longo prazo”, conclui.
Apesar do estranhamento em relação à falta de desejo ser algo que chama a nossa atenção, é preciso destacar que nada nessa seara é definitivo e que não dá para esperar reações normais em tempos tão estranhos.
“A prioridade agora é sobreviver. Os problemas de fundo fisiológico relacionados ao desejo são mais raros e não são difíceis de resolver. Isso pode ser conversado com o médico. Pergunte ao especialista se é necessário, por exemplo, ir a um hospital agora ou se há alternativas, evitando assim exposições de risco. Vale, antes, recorrer à terapia. Com o par, marque uma conversa, faça uma massagem, um carinho, retome a aproximação física, dando indícios de interesse no namoro. O sexo vai voltando, mesmo que aos poucos, começando por toques. A gente tem mania de querer tudo para ontem, mas agora é preciso entender que só voltaremos a enxergar possibilidades e opções daqui um tempo, talvez só no próximo ano”, conclui Carla.
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